Uns 10 000 quilómetros do Pacífico ao Oceano Atlântico, uma distância formidável, mesmo no mundo de hoje e, contudo, uma enorme distância que os seres humanos percorreram num dos maiores empreendimentos da História: a Rota da Seda. Uma rota comercial extremamente lucrativa para além de muitas outras coisas. Durante milhares de anos. produtos exóticos, novas tecnologias, exércitos conquistadores e ideias brilhantes, viajaram ao longo da Rota da Seda. A Rota da Seda ajudou a criar impérios e a derrubá-los. Acendeu os fogos da revolução, motivou grandes explorações, e forjou poderosos laços entre povos muito distantes. A Rota da Seda levou os seres humanos a perceber que há outros povos, noutros locais, e abriu os olhos do oriente e do ocidente. Esta é a história de como o comércio da Rota da Seda produziu muito mais do que dinheiro. É a história épica de como a Rota da Seda ajudou a criar um mundo, um mundo que nos criou. Há 2000 anos, o Império Romano parecia imparável. Roma tinha conquistado grande parte da Europa e estava a enviar as suas legiões para lá do Mediterrâneo oriental, para o Médio Oriente — a porta de acesso às riquezas da Ásia. Mas uma expedição ao oriente podia tornar-se num caminho de sangue. Em 53 a.C. perto da cidade de Carras, na Mesopotâmia, os partas — um império que misturava culturas persas e gregas — enfrentou um exército romano. O resultado da batalha parecia inevitável. Cerca de 40 000 romanos defrontavam apenas 10 000 partas. E s legiões de Roma eram os melhores soldados a pé da Europa. Só havia um problema. O exército parta não lutava a pé. Os partas só tinham cavalaria. Eram arqueiros a cavalo. Versáteis. Rápidos como o vento. Os romanos fizeram o que sempre fziam. Colocavam-se numa posição fixa. Formavam um quadrado oco, defendendo-se de todos os lados. Mas isso não funcionava para os arqueiros partas a cavalo porque podiam cavalgar à volta deles, como fizeram. Galopavam à volta e à volta, e à volta e à volta, disparando enquanto passavam. Milhares e milhares de setas desferidas sobre os romanos. O que os romanos acabaram por fazer foi colocarem-se em formação testudo. Era aquela formação romana em que juntavam os escudos colocando uma camada de escudos a fazer um teto. Testudo é a palavra latina para tartauga. Mas os partas tinham resposta para esta tartaruga. Tinham um martelo para ajudar a abrir a carapaça. O martelo parta era um catafracta, uma palavra grega que significava "vestido de armadura total". Cavalo e cavaleiro usavam pesadas cotas de malha. O catafracta era a antiga palavra equivalente a um tanque de batalha. Em Carras, a carga dos catafactrários rompeu o testudo, expondo os romanos a mais ataques de flechas. Uns 30 000 romanos foram mortos ou capturados. As baixas dos partas foram mínimas. Foi uma das piores derrotas militares de Roma. Mas também pode ter havido mais qualquer coisa. Um historiador romano escreveu que os partas encandearam os romanos com estandartes feitos com um bonito tecido, seda. Isto pode ser apenas uma lenda, mas, por volta da época de Carras, os romanos começavam a cobiçar a seda, e a China começava a vender seda a Roma, em troca de requintados objetos de vidro romanos e de ouro, inspirando o nome que damos hoje ao comércio da Eurásia: a Rota da Seda. Mas, muito antes de romanos e partas lutarem em Carras, o comércio entre os povos da Eurásia já modelavam vidas, possibilitando coisas novas e alterando o mundo. Em Carras, os partas ganharam com um estilo de batalha que tinha evoluído séculos antes e a milhares de quilómetros de distância. Nas estepes da Ásia Central, um oceano de terra, onde a vitória na batalha e a própria vida dependia de uma movimentação para muito longe, muito rapidamente. Milhares de anos antes da batalha de Carras, uma revolução nos transportes ocorrera nessas vastas planícies. Há bons indícios da existência de cavalosdomesticados naquilo que é hoje o Cazaquistão e o sul da Rússia, em 3500 a.C. Pensamos mesmo que, provavelmente, os cavalos foram domesticados e começaram a ser cavalgados 500 ou talvez 1000 anos antes disso, talvez em 4500 a.C. A domesticação de cavalos foi o primeiro passo para a guerra com cavalaria. Mas o segundo passo demoraria ainda muito tempo. O primeiro uso de cavalos na guerra foi a guerra com carrinhos, e temos isso comprovado com o carrinho de Tutankhamon, que muitas pessoas já viram em exposições em museus. Sabemos que as pessoas usavam carrinhos em batalhas no Próximo Oriente por volta de 1600, 1700 a.C. Os cavalos só foram utilizados como uma cavalaria organizada por volta de 900 a.C., quase 1000 anos depois de começarem os carrinhos em batalhas. Sempre me pareceu estranho que a cavalaria seja posterior aos carrinhos. Os carinhos são muito difíceis de guiar. É preciso treinar os cavalos a funcionar em conjunto. Têm de puxar aquele veículo desajeitado que leva duas pessoas: um condutor e um guerreiro. Treinar as unidades para funcionarem em conjunto, é uma coisa difícil, enquanto saltar para cima de um cavalo é muito fácil. Portanto, porque é que a cavalaria vem depois dos carrinhos? Penso que a verdadeira razão por que a cavalaria esperou é que é preciso ter três inovações. A primeira prova da existência do arco recurvo encontra-se na Dinastia Shang, na China, provavelmente datado entre 1300 e 1100 a.C. Os imperadores Shang comunicavam com os seus antepassados aquecendo ossos de animais ou carapaças de tartaruga até estalarem e depois interpretando os padrões feitos pelas fissuras. Um destes ossos, chamados oráculos, tem gravado o carácter chinês para arco — a imagem mais antiga conhecida de um arco recurvo. E, no túmulo de Fu Hao — uma imperatriz consorte e comandante militar de renome — os arqueólogos encontraram mais provas. É uma proteção para o polegar para puxar a corda do arco e há outra peça que se situa no meio de um arco recurvo, uma mola de mão. Os arcos propriamente ditos não ficaram preservados, por isso é difícil identificar as origens do arco recurso. Os seus diversos componentes provavelmente provêm de diferentes locais geográficos. Até onde o arco recurvo viajou através da Eurásia foi revelado em 2005, em Yanghai, na região de Xinjiang, na China. Os arcos de madeira raramente sobrevivem ao enterramento no solo, mas o clima frio e seco de Xinjiang preservou um deles, num túmulo com 3000 anos. Outros objetos fúnebres e restos humanos encontrados nos túmulos de Yanghai confirmaram que o arco tinha sido fabricado por Citas, uma cultura altamente sofisticada com origem no sul da Rússia e que migraram a cavalo or toda a extensão da Eurásia. O verdadeiro berço do arco recurvo composto mantém-se um mistério arqueológico. Mas não há dúvidas de que, há 3000 anos, quem lutasse a cavalo tê-lo-ia considerado revolucionário. Um arco é tanto mais forte quanto mais longo for. A sua força depende do seu comprimento. E o arco recurvo tem o mesmo comprimento neste arco muito curto que pode ser usado sobre a traseira do cavalo ou sobre o pescoço do cavalo. E era muito mais fácil de usar montado a cavalo. Os arcos recurvos, tecnologicamente, são muito difíceis de construir. Demorou muito tempo para desenvolver a arte de fazer arcos, até chegar a este ponto, todas estas curvas — reflexo e deflexo — que lhe dão uma elasticidade incorporada. Mas isso só pode ser criado com materiais compostos, ou seja, é fabricado com uma série de materiais. O grosso é a madeira, geralmente de faia. Depois, o corno, o coro de búfalo asiático. e depois os tendões de um animal. Quando os esmagamos, obtemos estas fibras muito finas, fibras com uma força de tração tremenda que tem elasticidade e mola e impede que o arco se parta. Há materiais que melhoram a potência e a mola do arco. Mas só se os fabricantes de arcos conseguirem resolver um grande problema. Como impedir que um arco tão potente feito de materiais tão diferentes se parta, quando é o seu próprio poder que o separa? Algures na Eurásia, há muito tempo, um génio desconhecido descobriu a resposta. Esta é a bexiga natatória de um esturjão — um peixe do Mar Negro. Se a desfizermos e a pusermos em água quente obtemos esta cola viscosa, maravilhosa. Esta simples ideia de fazer uma cola duma bexiga natatória de um peixe foi um avanço tecnológico de consequências imensas. Foi o que permitiu a existência do arco composto. E, por sua vez, o arco composto foi uma revolução militar de consequências de grande alcance. O arco recurvo composto deu origem a um novo tipo de guerreiro, o arqueiro a cavalo. O arqueiro a cavalo conseguia disparar, sentado na sela, em parte por causa da nova tecnologia do arco composto. Eram arcos curtos, compactos, e isso significava que podiam dispará-los a cavalo. Estão a ver, posso virar-me para o outro lado do cavalo, posso virar-me e disparar para trás. É muito mais adequado para disparar a cavalo. Todos os que lutaram com nómadas da Eurásia, quer fossem inimigos ou amigos, queriam um arco recurvo composto. No início do primeiro milénio a.C., era usado da Ásia oriental à Europa oriental. Um arco recurvo fava a um arqueiro a cavalo um poder letal sem precedentes. Mas não fazia deles um cavaleiro. Antes de os arqueiros poderem lutar como uma força militar efetiva, precisavam de um grande fornecimento de flechas idênticas. E isso era uma coisa que não existia. As pontas das flechas tinham uma série de diferentes tamanhos e pesos. Umas eram feitas de osso. Outras eram feitas de sílex. Outras eram feitas de bronze. Todas elas eram feitas individualmente e tínhamos de ajustar o nosso tiro segundo o peso de diferentes flechas. Também, uma unidade de soldados que disparavam ao mesmo tempo, estariam a disparar flechas de pesos ligeiramente diferentes que podiam alcançar diferentes distâncias. Uma das características duma ponta de flecha de pedra é a sua parte traseira achatada. Mas como é que isso se relacionava com a haste da flecha? Só podia estar ligada à haste por uma corda ou por tendões. Mas as desvantagens? Primeiro, as setas lançadas tendem a mudar de direção facilmente. Em segundo lugar, são suscetíveis de cair. Uma das inovações tecnológicas foi a invenção da ponta de flecha com encaixe. Habitualmente, eram feitas de bronze, e eram feitas num molde e fundidas num molde, de maneira que podiam ser feitas num mesmo molde um número infinito de pontas de flechas com o mesmo peso. Fazer pontas aguçadas era uma coisa muito difícil. É preciso ter um molde com um núcleo onde vai ficar o encaixe, que pode ser rodeado por metal derretido para obter a mesma espessura a toda a volta. Fazer pontas de flechas do mesmo tamanho e peso foi mais uma revolução tecnológica da Ásia Central. Pela primeira vez, os guerreiros a cavalo podiam fazer ataques de flechas coordenados aos seus inimigos. Com pontas de flechas do mesmo peso, sempre que esticavam o arco para disparar sabiam que estavam a disparar uma flecha que tinha exatamente o mesmo peso da última flecha que tinham disparado, por isso podiam determinar bem o alcance e a distância. Além disso, todos os arqueiros que estavam a disparar, estavam a disparar flechas do mesmo peso, ao mesmo tempo. Assim, a distância seria a mesma para todos eles. Com uma ponta de flecha com encaixe podíamos inserir diretamente a cabeça no veio, desta forma. Então, quais são as vantagens deste tipo de ponta de flecha? Melhora consideravelmente a letalidade e a eficácia das flechas antigas. Mesmo no caos da guerra, o arqueiro podia visar facilmente o alvo. Não perdia a direção ao visar o alvo rapidamente. Esta invenção é um salto gigantesco na evolução da história humana. Os arqueólogos pensam que, algures, no segundo milénio a.C., as pontas de flechas de bronze com encixe começaram a espalhar-se no oriente enquanto o arco recurvo se espalhava para ocidente. Algures por volta de 900 a.C., as pontas de flecha com encaixe e os arcos recurvos juntaram-se na área da Bacia Tarim na Ásia Central, levadas por mercadores, guerreiros e emigrantes nómadas. Após 700 a.C., começamos a ver milhares e milhares de pontas de flechas e dezenas de pontas de flechas numa única aljava numa sepultura. É como se estivessem a ser produzidas em massa. As pontas de flechas de bronze com encaixe transformaram a Ásia Central num arsenal, mas só foi possível a existência da cavalaria quando os guerreiros passaram a ser soldados. Foi de facto a era da guerra heroica — os indivíduos fazerem grandes feitos por si próprios e atraírem a glória para o seu nome. É o tipo de guerra que é descrito na Ilíada, na Odisseia ou no Rigveda, um texto religioso que constitui profundas raízes do hinduísmo moderno. O que tinha de mudar era uma mudança psicológica na natureza do guerreiro. Era preciso mudar dos indivíduos para unidades que funcionavam sob o comando dum general comandante, que atacaria e recuaria conforme o comando. A mudança psicológica do guerreiro heroico para o soldado, provavelmente é uma característica da guerra urbana, dos exércitos que estavam associados às grandes cidades da Mesopotâmia e do Irão. Essa psicologia teve de se espalhar para norte até às estepes e ser aceite pelos guerreiros nas estepes, na mesma área onde os arcos recurvos e as pontas de flecha com encaixe se cruzaram. Enquanto os arcos recurvos se espalhavam para ocidente e as pontas de flecha com encaixe se espalhavam para oriente, o conceito de disciplina militar espalhava-se para norte. Algures por volta de 900 a.C., juntaram-se todos os três no meio da Ásia Central. Quando estas três coisas se juntaram, a cavalaria tornou-se numa forma de força militar realmente mortífera. Uma força que iria testar fortemente os exércitos mais poderosos do mundo antigo. Há 2200 anos, quando os romanos avançaram para leste, para expandir o seu império, a China estava a avançar para oeste. E, tal como os romanos, os chineses encontraram um inimigo formidável a cavalo. Os Xiongnu eram nómadas das estepes da Ásia Central. Armados com arcos recurvos, e flechas com encaixe, lutavam sob as ordens de comandantes como uma força militar disciplinada. Atacavam aldeias chinesas e saqueavam o comércio crescente entre o ocidente e o oriente. E ninguém conseguia detê-los. Os Xiongnu foram as dores de cabeça do mundo antigo, para os chineses. Continuavam a aparecer e ninguém os conseguia deter. The Xiongnu cobiçavam os bens materiais mais finos produzidos pelos chineses. Era por isso que os atacavam. Imaginem que são um aldeão na China e esses homens aparecem de nenhures. Aparecem por detrás da colina sem avisarem destruindo a vossa aldeia. Matam o vosso chefe, matam o vosso marido. Perseguem as mulheres. Não há possibilidade de se esconderem e há um turbilhão de poeira e de flechas. Eles entram e saem pegam nas coisas e vão-se embora. A China enviou o seu poder militar contra os Xiongnu. Os famosos Guerreiros de Terracota revelam a dimensão e o poder dos exércitos chineses. Mas os chineses lutavam a pé e com carrinhos, sem eficácia contra a cavalaria que atacava e fugia. Um cortesão chinês escreveu que os Xiongnu se movimentavam como um bando de aves sobre o terreno, impossíveis de controlar. Depois de a guerra montada se tornar mortal e efetiva, tornou-se um problema real. Os nómadas sabem sempre onde está o agricultor. A nossa casa está no mesmo local 12 meses por ano, e quando as culturas estão maduras é preciso fazer a colheita e os nómadas sabem quando é que é essa estação. Enquanto que, se tentamos rechaçá-los, é impossível saber onde é que eles vão atacar ou quando vão estar aqui. Temos de tentar encontrá-los. Para vencer os Xiongnu, os chineses precisavam de soldados que lutassem como eles. Precisavam de cavalaria. Há manuais de guerra que foram escritos para instruir os guerreiros chineses sobre como combater as táticas e os métodos dos Xiongnu. Esses manuais introduziram a ideia da cavalaria no exército chinês. O exército chinês só terá usado a cavalaria provavelmente por volta de 350 a.C. O exército chinês, a princípio com alguma resistência por parte das antigas famílias aristocráticas, dizia: "O meu pai combateu num carrinho, "e o pai dele combateu num carrinho, "e eu vou continuar a combater num carrinho com os fatos compridos tal como os meus antepassados." Mas não demorou muito até que os guerreiros chineses trocassem as suas tradicionais túnicas compridas e esvoaçantes, por túnicas mais curtas que não atrapalhassem na luta a cavalo. Por fim, a necessidade prática forçou-os a livrarem-se das túnicas e a usarem calças de montar, para aprenderem disparar o arco a cavalo, e também eles se tornaram numa poderosa força de arqueiros a cavalo. A cavalaria chinesa tornou-se especialista em disparar o arco recurvo composto, e uma arma chinesa letal, a besta. Enquanto a cavalaria treinava, a China concordou com a exigência dos Xiongnu de fazer pagamentos em dinheiro e seda até ao ano de 133 a.C., quando o Imperador Han Wudi se recusou a pagar e enviou o seu exército para atacar os Xongnu. A cavalaria chinesa derrotou os nómadas e a China apoderou-se de novos territórios nas estepes, pacificando novas rotas e abrindo novos horizontes. Por um lado, temos este conflito permanente — na cultura chinesa seriam os Xiongnu e os chineses Han que criaram uma guerra incessante. Por outro lado, foi este conflito que destruiu as fronteiras físicas. Até as fronteiras territoriais estavam sempre a ser empurradas, entre as duas forças. Isso constituía um estímulo para as trocas, para trocas políticas, para novas ideias, para tradições artísticas. Também foi uma nova era para a Rota da Seda. Uma fortuna em ouro romano viajava para leste em troca das sedas chinesas. E o reino de Kushan, na Ásia Central, fez fortuna vendendo à China outro bem de luxo: o jade. As caravanas da Rota da Seda passavam por este posto fronteiriço na fronteira ocidental da China. Tantas transportavam jade de Kushan que este posto ficou conhecido por Portão de Jade. Os aristocratas chineses cobiçavam o jade pela sua beleza e por uma outra coisa. Acreditavam que o jade os manteria vivos para sempre. A elite governante encomendava fatos funerários de jade para preservar os corpos na sepultura. Acreditavam que, depois de mortos, todos os orifícios deviam ser tapados para preservar o espírito no interior da pessoa. Esta noção do jade enquanto material com poderes de proteção na vida além-túmulo, ainda era reforçada pelo facto de construírem uma armadura feita de milhares de peças de jade. E, claro, para o imperador, a armadura de jade seria feita do jade mais fino, das regiões ocidentais. Durante o império romano, o comércio a Rota da Seda floresceu enquanto os exércitos chinês, persa e Kushan mantinham as rotas comerciais abertas através da Eurásia. A China tinha equilibrado o campo de batalha com os invasores nómadas das estepes. Mas os arqueiros a cavalo da Ásia Central estavam prestes a gravar os seus nomes na História. No século IV d.C., a Europa foi invadida por povos da Ásia Central cujo nome ainda evoca uma crueldade bárbara. Os Hunos, que abriram à força o caminho para oeste, até Roma. Povos europeus como os Godos e os Visigodos — os chamados bárbaros — fugiram perante aquela investida e procuraram refúgio em território romano. Quando os Hunos se retiraram do mundo romano, esses bárbaros refugiados mantiveram-se onde estavam. E o resto é História. O império romano do ocidente estava mergulhado no caos quando as tribos bárbaras, descontentes com a sua sorte, se revoltaram contra a autoridade romana e os fracos imperadores romanos não conseguiram esmagá-las. À medida que Roma entrava em declínio, arqueiros a cavalo migrantes, chamados Avares, criaram o seu país na Europa de leste, levando com eles outra inovação militar asiática: o estribo. Esta estátua chinesa do século IV d.C., é a mais antiga representação dos estribos. Uns 300 anos depois, um cavaleiro Avar atravessou a Hungria com estes estribos. No século VIII d.C., os estribos tinham-se espalhado de uma ponta da Eurásia até à outra e a guerra montada entrava numa nova era. A importância do estribo está ligada ao tipo de armas que podemos usar a cavalo e tornou possível use certos tipos de armas a cavalo que não seria possível usar sem estribos. Essas armas são o sabre comprido. Precisamos de nos inclinar e absorver o choque, se queremos usar um sabre comprido em batalha. E os estribos permitem que o cavaleiro absorva o choque do contacto com um alvo fixo. A outra grande arma que se tornou possível com os estribos foi a lança presa debaixo do braço. Era possível apunhalar uma pessoa com a lança e depois retirá-la, passando por ela, sem estribos. Mas, se a prendêssemos debaixo do braço, e usássemos a lança como uma arma de choque seríamos derrubados do cavalo se não tivéssemos estribos. Portanto, os estribos tornaram possível o uso de espadas e lanças compridas como armas de choque contra alvos fixos mantendo-nos na sela. E, claro, isso tornou possível ter guerreiros montados pesados. Agora o cavaleiro passa a ser um só com o seu cavalo. Está muito bem apoiado nos estribos, apoiado nisto e depois, com a sua lança comprida torna-se numa única unidade de projeção. Homem, cavalo, sela, lança, tudo junto para a carga de impacto. Foi a época do cavaleiro medieval. O poder de um cavaleiro medieval era fruto da combinação do estribo asiático e da antiga tática de choque da catafracta persa com uma invenção europeia: a armadura de placas articuladas. Suficientemente forte para proteger o utilizador dos ataques de espada e de lança embora suficientemente leve para lhe permitir mover-se livremente a cavalo e a pé. A cavalaria pesada nunca tinha sido uma arma de guerra tão poderosa. A batalha montada medieval podia ser uma batalha que gerava muita força sobre o cavaleiro, uma batalha de grande impacto. Neste caso, o guerreiro montado está a ser usado como uma arma de choque para derrubar o inimigo. Mas mesmo os formidáveis cavaleiros montados da Europa viriam a ser derrotados pela cavalaria da Ásia Central que irromperam das estepes e mudaram o mundo. O maior império conquistado que a Terra já viu foi criado por nómadas pastoris da Ásia Central. No século XIII, os Mongóis conquistaram para Oeste até à Polónia e para Leste até ao Mar do Japão. Os exércitos mongóis combinaram as táticas de choque devastadoras dos arqueiros a cavalo com uma organização militar altamente sofisticada. Podiam reunir rapidamente e marchar até distantes campos de batalha. Depois, a cavalaria chegaria ao campo de batalha do inimigo, antes de este organizar a defesa que pudesse deter o inimigo psicológica e estrategicamente. Diz-se que a cavalaria surgia repentinamente como uma coisa que caía do céu e desaparecia rapidamente sem deixar vestígio. O ocidente, em especial os historiadores europeus, escreveram que os Mongóis apareciam muito ao longe, como vários pontos, mas de repente juntavam-se à nossa frente, como nuvens escuras. O ataque inesperado era o hábito. Os Mongóis ficaram na História como assassinos sedentos de sangue mas também eram sofisticados, de mente aberta, frequentemente conquistadores generosos. Pacificaram a Rota da Seda. O comércio entre o Ocidente e o Oriente floresceu durante esta paz imposta pelos Mongóis, a Pax Mongolica. Antes da época da Pax Mongolica, o banditismo era um problema muito grave para os mercadores, para as caravanas ao longo da Rota da Seda. A reputação de Genghis Khan e dos seus descendentes criou a paz e a passagem em segurança ao longo da Rota da Seda porque os bandidos tinham muito medo dos soldados mongóis. A Pax Mongolica, o controlo do comércio e das trocas que se tornaram possíveis com os Mongóis ligaram a China à Europa e ao Próximo Oriente de forma sustentada pela primeira vez na História mundial. E isso teve um profundo efeito no desenvolvimento da civilização europeia. Protegidos pela Pax Mongolica e ansiosos por boas relações com o império Mongol, os europeus começaram a viajar para leste como nunca antes. Mercadores, missionários e diplomatas afluíam ao Leste ao longo das rotas comerciais, trazendo bens asiáticos populares como panos e especiarias e relatos das riquezas e das maravilhas do Oriente, alguns verdadeiros, outros fabulosos, mas todos eles fascinantes. Da Europa até à China, o comércio da Rota da Seda espalhou novos conhecimentos de terras longínquas. A Rota da Seda levou os seres humanos a perceber que havia outros povos além deles, e isso abriu os olhos ao Oriente e ao Ocidente. As cidades italianas de Veneza e Génova colhiam enormes recompensas. Os seus mercadores viajavam com segurança por toda a Eurásia e fundavam postos comerciais o Mar Negro para receber e transacionar bens na Rota da Seda. Os lucros da Rota da Seda financiavam a magnífica arte e arquitetura. Mas a competição entre elas mergulhava-as com frequência em guerra umas contra as outras. Numa dessas guerras, Génova capturou um próspero mercador veneziano chamado Marco Polo. Preso pelos genoveses, Polo ditou a história da sua viagem à China, pela Rota da Seda, a um outro prisioneiro. Os especialistas debatem hoje se Marco Polo visitou mesmo a Chin ou se se limitou a repetir as histórias que ouviu contar a viajantes da Rota da Seda. Mas ninguém discute que "As viagens de Marco Polo" foi um dos livros mais influentes em toda a História da Humanidade. Seduziu a Europa com os contos da enorme riqueza da China e a sua civilização avançada. Anos antes de Marco Polo contar essas histórias numa prisão genovesa, uma invenção chinesa atravessava a Eurásia, a caminho do Ocidente. Uma coisa criada séculos antes quando uma experiência acabara mal. Antigos alquimistas chineses preparavam poções de chumbo ou mercúrio para os seus aristocráticos patronos que acreditavam que beber esses metais os ajudariam a viver eternamente. Em vez disso, essas poções matava-os ou faziam-nos enlouquecer. Outra combinação mortífera era o enxofre aquecido com um nitrato orgânico encontrado no solo por toda a China, conhecido por salitre. Quando os alquimistas experimentaram esta fórmula, aquilo explodiu em chamas, ferindo os alquimistas (Explosão) e incendiando o laboratório. Desse desastre nasceu uma mistura química sem igual. Pode ter falhado enquanto elixir da imortalidade, mas iria provar ser um potente agente de morte. Este pergaminho budista chinês datado de cerca de 950 d.C. mostra demónios rodeando um Buda sentado. Um demónio segura naquilo a que os chineses chamam um "huo quiang”, ou lança-chamas. É a imagem mais antiga que se conhece de uma arma que usa a mistura mortífera de salitre e enxofre, conhecida na História por pólvora. No início do século XIII, os Mongóis atacaram a Dinastia Jin da China. O exército da Dinastia Jin contra-atacou com bombas explosivas de pólvora. Mas os Mongóis conquistaram cada vez mais pedaços da China. A artilharia chinesa reuniu os seus exércitos e marchou para Ocidente, levando as suas armas com pólvora. Os Mongóis atacaram cidades russas e polacas com bombas de fogo explosivas. E os europeus descobriram o que a pólvora podia fazer. No final do século XIII, a fórmula para a pólvora chegara à Inglaterra e os europeus andavam a inventar as suas versões das novas armas. Não demorou muito até essa invenção chinesa mudar a História europeia. A 26 de agosto de 1346, perto da aldeia de Crécy, no norte da França, os exércitos da França e da Inglaterra preparavam-se para a batalha. Montados nos seus corcéis de guerra, envoltos nas suas armaduras, a flor da nobreza francesa formaram em linha de batalha, enquanto os ingleses utilizavam uma força muito diferente, milhares de arqueiros especializados. Os franceses enviaram os seus besteiros genoveses para atacar os ingleses, antes de os cavaleiros franceses os aniquilarem. Mas o rei inglês, Eduardo III, passara anos a treinar os seus homens de arco longo. E todo esse treino estava prestes a ser recompensado. Nada como aquilo já fora visto num campo de batalha ocidental. A primeira vez que uma saraivada de flechas fosse disparada pelos arqueiros de Crécy teria representado uma coisa totalmente nova para muitos do exército francês que observavam. Uma nuvem de flechas a descer na direção deles. Devia ser assustador. E, claro, o efeito foi quase imediato. Sob a chuva das flechas inglesas, os genoveses viraram as costas e fugiram, e, segundo os relatos medievais da batalha, também ficaram em pânico por causa de outra arma inglesa. Giovanni Villani escreveu, muito pouco tempo depois da batalha, na sua crónica, que o barulho criado pelas armas era tão forte e intimidante que eles pensaram que Deus estava a trovejar, "As armas inglesas lançam bolas de ferro por meio do fogo. "Fazem um barulho como trovões "e causam muitas baixas em homens e cavalos." Um barulho como aquele não tinha precedentes para os soldados no campo da batalha. Nada, na vida deles, os tinha preparado para um estrondo daquela dimensão. e acompanhado por fumo e por um forte cheiro a enxofre, que ficava a pairar no ar. Só puderam avaliar o impacto quando os homens à volta começaram a cair. Nem mesmo os soldados profissionais como os genoveses podiam esperar uma coisa como aquela. Devia ser uma coisa terrível e não admira que eles se espalhassem e fugissem. Viraram costas e fugiram perante a iminente carga de cavalaria frncesa. A cavalaria francesa estava a avançar para o campo da batalha e ficaram estupefactos ao verem fugir as pessoas que tinham contratado. Amaldiçoaram-nos e atacaram-nos. e caíram tantos genoveses sob os cascos franceses como tinham caído sob as flechas e as armas inglesas. Todos os 12 000 cavaleiros franceses — o dobro do exército inglês — avançaram na carga contra os ingleses. Também eles caíram sob as flechas e s balas dos ingleses. Carregaram vezes sem conta,, carregaram 15, 16 vezes, Os cavalos ficaram despedaçados e os homens foram cuspidos dos cvalos. E os que não foram cuspidos foram atacados pelos homens de punhal que acabaram com esses cavaleiros. Foi um momento na História em que o mundo mudou. Significou o início do fim do cavaleiro medieval. A batalha de Crécy ficou registada na História como um dos primeiros usos de armas a pólvora numa batalha europeia. Uns 500 anos depois de ter incendiado a oficina de um alquimista chinês, a pólvora tonou-se a arma de eleição do destino. Depois de Crécy, foi uma questão de tempo até os destinos de povos e de nações serem decididos pelas espingardas. Ao fim de 200 anos, os europeus usariam as suas poderosas arms alimentadas por pólvora para dominar o mundo, criando impérios que evoluiriam na cultura comercial global atual, que liga os povos através do comércio em vez das armas. Mas, antes de a Europa poder embarcar na sua aventura de criação de impérios, a sua ordem social medieval seria estilhaçada por um acontecimento catastrófico, que forjaria uma nova Europa num cadinho de horror. Enquanto os canhões troavam em Crécy, havia outra coisa a espalhar-se ao longo das rotas comerciais da Eurásia, uma coisa que iria matar dezenas de milhões de europeus. Uma destruição apocalíptica da vida humana que iria instituir os fundamentos do mundo moderno. Na batalha de Crécy de 1346, os ingleses ganharam uma vitória história sobre a França, ajudados por uma invenção chinesa que viajara até à Europa. A pólvora. Nesse mesmo ano de 1346, a cerca de 2000 quilómetros a leste de Crécy, ocorria outra batalha nas praias do Mar Negro. Um exército mongol tinha montado cerco à cidade portuária de Caffa, na Crimeia, um posto comercial da Rota da Seda pertencente à cidade italiana de Génova. Os mongóis eram mestres da guerra por cerco. Mas Caffa continuava a aguentar-se depois de mais de dois anos. Subitamente, o exército mongol foi dizimado. Não pelos defensores de Caffa, mas por uma doença desconhecida. Os mongóis rapidamente terminaram o cerco. Mas antes de abandonarem Caffa, carregaram as máquinas dp cerco com os cadáveres dos seus mortos e projetaram-nos para dentro das muralhas da cidade, na crença de que o fedor da morte matasse os defensores. As crónicas medievais dizem que os defensores de Caffa morreram aos milhares mas não por causa do cheiro da morte. Um ano depois, em 1347, a mesma doença que matara os mongóis em Caffa estava a matar pessoas em Constantinopla. Em 1348, estava a matar pessoas por toda a Europa ocidental. Em 1350, estava a matar pessoas na distante Groenlândia. Os europeus, aterrorizados, deram-lhe um nome. A Peste Negra. Apenas em 10 anos, de 1347 a 1356, a Peste Negra matara pelo menos 25 milhões de europeus, um terço da população europeia. Hoje, muitos estudiosos cham que a Peste Negra foi um surto da peste bubónica que se transmitia aos seres humanos através de pulgas infetadas que viviam nos ratos. E pensamos que se espalhou pela Eurásia à boleia dos exércitos, dos navios e ds caravanas ao longo das rotas comerciais que já eram antigas na altura da Peste Negra. Micro-organismos viajantes de todos os tipos movimentavam-se pela Eurásia durante milhares de anos. Uma bio-migração que teve um tão grande impacto na história como as trocas mais famosas de novas tecnologias e de bens de luxo. Como recentes descobertas mostram pequenos seres vivos movimentando-se ao longo da Rota da Seda deram origem a vida, mas também a morte. Estamos usar novos métodos de analisar a agricultura primitiva e, para isso, precisamos de analisar todas as descobertas dos cultivos primitivos na Europa. Quando olhamos para um mapa de toda a Europa, vemos que havia estas culturas chinesas em pequeno número, muito cedo na Europa. "Muito cedo" era por volta de 2000 a.C. quando um grão chinês chamado painço de milho parece no registo arqueológico da Europa de leste.