Este episódio é patrocinado por Manhattan Rare Book Company. Em 1954, J.R.R. Tolkien tinha 62 anos e tinha acabado de passar os últimos 16 anos a trabalhar afincadamente num livro. Chegara a altura de o lançar no mundo e ele estava muito nervoso. E devia estar, porque nunca ninguém tinha visto nada parecido com "O Senhor dos Anéis". Era um risco enorme para os editores que estavam convencidos de que não venderiam muitos exemplares. Quem seria o público para este livro estranho cheio de nomes de pessoas e de locais esquisitos e impronunciáveis? Era um livro para crianças como "O Hobbit"? Claro que tinha feiticeiros e criaturas esquisitas, e também era uma aventura épica de certa forma. Também era muito comprido. Com efeito, três volumes e vários apêndices. Mas não, nem era um livro infantil nem um romance para adultos. Tolkien escrevera ao seu editor, na altura: "A minha obra fugiu ao meu controlo e eu produzi um monstro, "um romance extremamente comprido e complexo, "bastante amargo e bastante aterrorizador, "impróprio para crianças (se é que é próprio para quem quer que seja)... "Não sei se alguém, para além dos meus amigos [...] "lerão uma coisa tão extensa." Podemos imaginar o que estava em jogo para Tolkien. Se o primeiro volume não fosse um êxito, o que aconteceria aos outros dois volumes em que ele tinha gasto a melhor parte de 16 anos a escrever? No início dos anos 30, quando Tolkien era professor de anglo-saxão em Oxford, ele estava a classificar trabalhos, quando reparou que um dos candidatos tinha deixado a folha de papel em branco. "Nada para ler. Então, sem saber porquê, rabisquei nela: "Num buraco no terreno, vivia um Hobbit." E foi assim que nasceram os Hobbits. "O Hobbit" pode ser considerado uma sequela de "O Senhor dos Anéis". Apresenta o mundo da Terra-Média, de Tolkien. O mundo dos Hobbits, feiticeiros, anões e duendes. Mas é um livro muito diferente destinado a um público diferente. Quando foi publicado, C.S. Lewis, amigo de Tolkien, comparou "O Hobbit" a clássicos como "Alice no País das Maravilhas" e "O Vento nos Salgueiros" e, tal como estas obras, tem sido considerado vulgarmente como um livro de ficção para crianças escrito sobretudo para crianças e adolescentes, mas apreciado também por adultos. "O Hobbit" foi um êxito estrondoso e poucas semanas depois da sua publicação, Tolkien encontrou-se com Stanley Unwin, o seu editor, para analisar uma sequela. O escritor exprimiu o desejo de publicar uma obra extensa, pormenorizada, mitológica sobre a Terra-Média, chamada Silmarillion. Mas Unwin insistiu que aquilo que o público realmente queria era mais histórias sobre os Hobbits. Queria "O Hobbit 2". Tolkien e Unwin tiveram variações deste debate durante os 16 anos em que Tolkien trabalhou no seu livro seguinte. Por fim, "O Senhor dos Anéis" conseguiu desenvolver a Terra-Média de Tolkien, sem perder a atração narrativa de "O Hobbit". O resultado não foi tanto uma sequela mas uma obra adulta, muito mais complexa. Neste processo, Tolkien tinha inventado um novo género - o romance de fantasia. "De facto, sou um Hobbit (em tudo menos na altura). "Gosto de jardins, de árvores, de quintas sem mecanização. "Fumo cachimbo, e gosto de boa comida simples." - J.R.R. Tolkien. Tolkien, nos seus últimos anos, confessou gostar duma vida simples, parecida com a dos seus amados Hobbits no Shire. Contudo, este desejo pela paz, pela segurança e pelo companheirismo era provavelmente resultado da sua criação e da sua precoce idade adulta que tinha sido tudo menos pacífica e segura. Esta professor de inglês por excelência nascera John Ronald Reuel Tolkien em Bloemfontein, em 1892, no que é hoje a África do Sul. Em 1895, Tolkien, a mãe e o irmão bebé, Hillary, foram para Inglaterra visitar a família da mãe que, tal como ela, eram britânicos. Mas, pouco depois de lá chegarem, o pai morreu em Bloemfontein, com uma febre reumática, deixando a família em más condições financeiras. A família ficou na Grã-Bretanha, onde teve o apoio da família e mudou-se para a aldeia de Sarehole nos arredores da cidade indusrial de Birmingham. Embora não tivessem muito dinheiro, Tolkien ficou cativado com o ambiente. Mais tarde diria: "Era uma espécie de paraíso perdido. "Havia um antigo moinho que moía milho com duas mós, "uma grande lagoa com cisnes, "uma caixa de areia, um vale maravilhoso com flores. "umas casas de aldeia à moda antiga "e, mais adiante, uma ribeira com outro moinho..." O cenário da aldeia iria inspirar o Shite. Mas eram os arredores da grande cidade industrial de Birmingham que estava em rápida expansão e, no processo, ia absorvendo as aldeias vizinhas. "Fui criado numa pobreza considerável, "mas sentia-me feliz a percorrer a região. "Obtive a ideia dos Hobbits das pessoas e crianças da aldeia... "Os Hobbits são aquilo que eu gostava de ser mas nunca fui... "uma pessoa totalmente anti-militar "que sempre se aproximou a um bom nível... "Por trás de tudo o que é Hobbit está um sentimento de insegurança. "Sempre soube que ia dar certo — e deu." O tema da destruição do campo idílico preencheria a sua literatura. A mãe de Tolkien, Mabel, foi a principal influência no início da vida dele. Em 1900, quando Tolkien tinha 8 anos, Mabel converteu-se ao catolicismo. A família dela, que eram metodistas, não aprovou. O pai dela renegou-a, e o cunhado que a tinha apoiado financeiramente, deixou de a ajudar. Foi uma espetacular caída em desgraça, um tema que encontramos com frequência nos livros de Tolkien. Ela deu-lhe aulas em casa até ele ter oito anos, encorajando-o a ler muito, e apresentando-lhe as obras de George McDonald e Andrew Lang, primeiros criadores de literatura de fantasia. Mas, em 1904, quando Tolkien tinha 12 anos, Mabel morreu, de diabetes, agravados, segundo Tolkien deduziu, pela perseguição por causa da fé dela, deixando dois filhos órfãos com fracas perspetivas. Refugiou-se na linguagem, aprendendo o Inglês Médio de Chaucer, o antigo norueguês das sagas vikings, o inglês antigo de Beowulf, e revivendo até línguas há muito mortas e inventando línguas por si mesmo. "Comecei a inventar línguas... "quando tinha 13 ou 14 anos, e nunca mais parei." A escola foi um paraíso para Tolkien. Primeiro, frequentou a escola King Edward, em Birmingham, e foi aí fundamentalmente que ele formou o primeiro grupo literário o "Tea club and Barovian Society", quatro amigos que rogavam râguebi juntos, e conversavam sobre a mitologia norueguesa, enquanto bebiam chá e inventavam línguas. Grupos como este eram importantes para Tolkien um rapaz sem pai e agora +orfão. E este foi o primeiro de muitos grupos literários que Tolkien formaria - uma espécie de irmandade. Muito cedo, sentia-se obcecado por mitos, lendas e folclore, e preocupado em criar uma mitologia britânica. Ganhou uma bolsa de estudo para o colégio Exeter, em Oxford, e, sem surpresas, mostrou uma aptidão especial para línguas, para o inglês antigo e médio, o antigo norueguês e o gótico, em particular. Formou-se em 1915, em língua e literatura inglesa, com honras de primeira classe. Foram estes estudos que o levaram à criação duma série de línguas em "O Senhor dos Anéis" que estão entre as línguas de ficção mais bem desenvolvidas na literatura. Mas 1915 só podia significar uma coisa... a guerra. Quase logo a seguir à graduação, foi mobilizado para os Fuzileiros de Lancashire. "O Senhor dos Anéis" é, ao nível mais básico, a demanda de um herói. Mas o herói, neste caso, não é alguém forte e feroz como Ulisses, Beowulf ou Eneias, mas como o Hobbit, Frodo Baggins, uma criatura diminuta que, em essência, como os outros Hobbits, deseja ficar em paz, para desfrutar de boa comida e companheirismo na sua terra natal, o Shire. Frodo não tem qualidades especiais, mas é extraordinário, na sua coragem, lealdade e incorruptibilidade. A demanda de Frodo e dos seus companheiros é muito invulgar. Em vez de tentar conquistar poder, dedicam-se à destruição de uma só coisa, um anel mágico, que lhes daria grande poder. Com efeito, a demanda é bem sucedida, porque a ideia de que alguém renunciará ao poder e destruirá intencionalmente o objeto mais cobiçado do mundo é um pensamento que, para o inimigo deles, Sauron, é impossível imaginar, ou sequer considerar. Tolkien era um académico, profundamente mergulhado na tradição da epopeia, mas também sabia como subverter essas tradições, para criar um novo tipo de epopeia que tratasse dos medos e das preocupações da sua geração, a geração da I Guerra Mundial. A guerra, duma forma ou doutra, está presente em "O Senhor dos Anéis", através da morte e da perda, através das noções de poder, através da camaradagem em tempos mortais, e, por fim, através da desilusão. Tolkien participou nas batalhas mais terríveis do século XX. Lutaram em batalha mais de três milhões de homens, que viram mais de um milhão de mortos ou feridos, que marcaram a Terra numa das batalhas mais mortíferas da História humana. Viu muitos dos seus amigos da escola a morrer em combate, e, em 1918, disse que tinha perdido todos os seus grandes amigos, com exceção de um. Em certo sentido, teve sorte, por ter contraído um caso grave de febre das trincheiras perto do fim da batalha do Somme, e foi enviado para Inglaterra para recuperar. Enquanto convalescia no quartel do exército, com a guerra ainda muito fresca na memória, Tolkien anotou grande parte da história que viria a ser "A Queda de Gondolin", uma história publicada depois da morte dele, duma batalha cataclísmica, com orques, dragões e bullrogues, e a sua primeira obra em que descreve a Terra-Média. "Avançavam devagar, abaixando-se, em fila apertada, "seguindo atentamente todos os movimentos que Gollum fazia "Os pântanos eram cada vez mais húmidos, abrindo-se em largos muros estagnados, "entre os quais se tornava cada vez mais difícil, "encontrar terreno mais firma onde colocar os pés "sem se atolarem na lama borbulhante... "Ao tirar as mãos do pântano, "deu um salto com um grito. " 'Há aqui coisas mortas, caras mortas na água', disse, horrorizado. "Caras mortas!" Embora Tolkien esteja aqui a descrever os arredores de Mordor, na sua Terra-Média fictícia, não é difícil imaginarmos isto como uma descrição da experiência de Tolkien durante a batalha do Somme. A I Guerra Mundial começa como uma batalha da cavalaria, mas é o início da guerra mecanizada. As personagens de "O Senhor dos Anéis" descrevem estar a ser observadas por misteriosas figuras que as sobrevoam, e, em 1914, aeroplanos de ambos os lados foram usados pela primeira vez, para reconhecimento voando por trás das linhas inimigas. Durante o decurso da guerra, a aviação desenvolveu-se significativamente numa força importante e, no fim da guerra, era óbvio que os aeroplanos eram a arma do futuro. "Depois, Frodo e Sam olharam para o céu... "viram-na chegar: uma pequena nuvem a voar das colinas malditas, "uma sombra negra libertada de Mordor; "uma enorme forma alada e ameaçadora." "Deslizou tapando a lua, "e com um grito mortífero seguiu para oeste, "ultrapassando o vento, na sua velocidade." Ele está no Somme. quando foram usados tanques pela primeira vez, e, embora os Orques sejam o grosso do exército de Sauron, em "O Senhor dos Anéis", uma das suas armas mais poderosa eram os tanques da Terra-Média - os Olifantes. Notícias: "Volta a existir mais uma vez o estado de guerra "entre a Grã-Bretanha e a Alemanha". Tolkien começou a escrever "O Senhor dos Anéis" no início da II Guerra Mundial, em 193. O mundo estava de novo no precipício da guerra. Tolien negou que fosse uma alegoria de qualquer tipo no prefácio do livro, mas também reconheceu que um autor é influenciado pelas suas experiências. A escrita do romance começou durante a ascensão de Hitler, e continuou durante os dias mais negros da II Guerra Mundial, quando todas as esperanças duma Nova Ordem Mundial pacífica se tinham desvanecido, especialmente para alguém a viver em Inglaterra e com o medo constante dos ataques aéreos e da vitória nazi. "