Este é Napoleão Bonaparte. É fixe, é quente, é sensual, é... O quê? Esta obra chama-se "Napoleão Cruzando os Alpes" de Jacques-Louis David. É o retrato mais conhecido do brutal líder militar francês que veio a ser Imperador mas, na realidade, esta pintura é uma gigantesca mentira e, apenas mais uma razão, o artista foi considerado um vendido. Mas é tão bonita, não pode ser má, pois não? Instalem-se e comam frango Marengo. As coisas vão ficar difíceis. Napoleão aparece n frente e no centro montado num garanhão selvagem. Está calmo e tranquilo, banhado por uma luz angelical que parece descer dos céus. A capa vermelho vivo fervilha à volta dele enquanto um vento forte lhe empurra o cabelo para a cara, emoldurando os seus olhos profundos. Com a mão esquerda segura nas rédeas, com a mão direita aponta para os cumes das montanha, cheios de neve, como se os tivesse encomendado com aquele aspeto O tempo está terrível. O cavalo está a espumar pela boca. Os soldados, ao longe, escalam os rochedos traiçoeiros e Napoleão é apenas "Agarrem-me!" Talvez conheçam Napoleão como um homenzinho impetoso com um ego do tamanho da Europa, mas talvez não saibam que ele era tão bom. "Oh, meu deus!" Porque, na verdade, não era. Mas, para ser justa, também não era assim tão baixinho. Tinha 1,68 m, o que era a altura média naquele tempo, embora um pouco baixo para um general. Napoleão achou que não devia perder tempo a posar para este retrato e terá dito a Jacques-Louis David: "Ninguém sabe se os retratos dos grandes homens são parecidos com eles. "É suficiente que eles transmitam a sua genialidade." Assim, David teve de se contentar com o que tinha. O artista pediu ao filho que posasse para o retrato em cima duma escada, com o uniforme de Napoleão, e é por isso, provavelmente, que tem um ar tão jovem e cheio de vigor. Napoleão não foi apenas um comandante militar genial, também foi um mestre da propaganda e esta pintura não é exceção. Vejam este exemplo.. Napoleão não subiu os Alpes montado num cavalo, foi montado numa mula. Também não conduziu as tropas pelos Alpes acima, seguiu-os uns dias mais tarde e, segundo parece, o tempo estava bom em vez de traiçoeiro, como a pintura sugere. Esta pintura, de Paul Delaroche, feita cerca de 50 anos depois da obra de David, é uma descrição muito mais rigorosa de como terá sido a viagem de Napoleão. Então, o que é que temos aqui? Façamos uma viagem no tempo até ao local do nascimento de Napoleão, a Ilha da Córsega no ano de 1769... (Tosse) Desculpem. ... é aquela ali. A Ilha da Córsega está ao largo da costa entre a França e a Itália. Embora Napoleão já tenha nascido enquanto cidadão francês, como a França se apoderara da ilha apenas um ano antes de ele nascer, quando ele foi enviado para França, para um colégio interno, aos nove anos, todos o miúdos faziam troça do sotaque dele e achavam-no esquisito. Mas a perseguição não o deteve e Napoleão teve acesso à escola militar e veio a ser oficial de artilharia. Então, como era a França naquela época? Imaginem um mundo onde o rei, a rainha e os super ricos não pagavam impostos nenhuns e davam festas luxuosas todas as noites enquanto os pobres morriam de fome, literalmente, e trabalhavam dia e noite. Bem-vindos a França no século XVIII. Para além disso, o governo acumulara uma série de dívidas e decidiu que, para as poder pagar, teria de impor mais impostos aos pobres. Acho que nem vale a pena dizer que os pobres ficaram muito furiosos e até começaram a questionar se precisariam mesmo de um rei. No século XVIII, não era possível aceder a uma posição de poder a não ser que já se nascesse nesse meio. Esta dura realidade começou a inquinar Napoleão quando ele tentou subir as fileiras do exército. Percebeu que ninguém se importava com o seu talento e trabalho esforçado. Meritocracia o quê? Não conhecemos. A única hipótese que tinha de subir nas fileiras era um abanão em todo o sistema, uma revolução talvez. E, tal como o destino quis, foi exatamente o que ele teve. Em maior de 1789, começou a Revolução Frances. Napoleão lutou a favor da Revolução e através da combinação de um clima político volátil, de uma impressionante liderança militar e de manobras políticas oportunistas, subiu diretamente até ao topo e, em 1799, obteve o título de Primeiro Cônsul, tornando-o o homem mais poderoso de França. Mas, enquanto Napoleão se atarefava a reformar o governo, o exército francês estava em dificuldade tentado combater os austríacos em Itália. Isto era totalmente inaceitável para Napoleão, que disse: "Um governo recém-nascido tem de deslumbrar e surpreender. "Quando deixar de fazer isso, cai." Assim, Napoleão saiu de França para deslumbrar e surpreender, enquanto comandante militar, mais uma vez. Napoleão foi um líder militar de sucesso, por algumas razões. Por um lado, os seus homens respeitavam-no não só porque ele acreditava neles e combatia ao lado deles, mas também porque era inteligente e inovador nas suas táticas e capitalizava a partir do elemento surpresa. Há duas formas de entrar em Itália, a partir da França: pela região de Piemonte, que é fácil e por onde qualquer comandante atravessaria com as suas tropas ou pela rota do norte., através da Suíça, atravessando os Alpes. Mas a travessia dos Alpes com um exército era uma coisa muito arriscada. Sobretudo porque as montanhas são íngremes e traiçoeiras e uma tempestade de neve ou deslizamento de terras pode ser fatal. Talvez possam adivinhar qual é que Napoleão escolheu. Só dois comandantes na História tiveram êxito em atravessar os Alpes com s suas forças e Napoleão quis garantir que toda a gente soubesse disso. Portanto, disse a David para incluir os nomes dos outros dois grandes comandantes, Carlos Magno e Aníbal, que aparecem estar gravados nas rochas, em baixo e à esquerda da pintura. E reparem que, numa posição ligeiramente mais acima desses nomes, está o nome de Napoleão. Esta pintura representa este acontecimento, conhecido como a Batalha de Marengo, em que os franceses apanharam os austríacos de surpresa e ganharam. Para festejar esta recente vitória e passar a ser Primeiro Cônsul, ocorreu uma troca de presentes entre Carlos IV de Espanha e Napoleão, para restabelecer as relações diplomáticas. Com efeito, este retrato foi encomendado pelo rei Carlos e oferecido a Napoleão. Talvez tenham reparado que esta obra é ligeiramente diferente da pintura que temos estado a observar en todo o vídeo. Napoleão pediu a David para fazer mais três versões deste retrato e esta é, tecnicamente, a terceira versão, mas eu gosto mais do original. O que é que acham? Acontece que David tinha uma obsessão por Napoleão. Por isso, fez uma quinta versão para manter no seu estúdio. Jacques-Louis David era um artista super talentoso. Ora vejam isto. Têm a certeza? Mas como é possível olhar para uma obra de arte como esta e chamar vendido a David? David odiava a monarquia francesa e foi um firme apoiante da Revolução. Esteve entre as centenas de homens que votaram a favor de enviar para a guilhotina o rei Luís XVI. Era membro do grupo extremista dos Jacobinos e criou pinturas de propaganda política por conta própria. David até foi preso, a determinada altura, pelo seu alinhamento com esse grupo durante a Revolução. O que não se percebe é que o artista manteve-se leal a Napoleão durante toda a sua ascensão. Depois de ele ser imperador, David foi nomeado primeiro pintor da Corte e as obras de propaganda continuaram a aparecer. Tal como esta pintura da coroação de Napoleão e desta pintura intitulda "O Imperador Napoleão no seu estúdio nas Tulherias". As velas já quase arderam até ao fim, o relógio marca 4:13 da manhã. O Imperador Napoleão esteve acordado toda a noite a trabalhar no Código Napoleónico. Pelo menos, é aquilo que ele quer que nós pensemos. David manteve sua lealdade a Napoleão, até ao triste fim e, quando o antigo imperador foi exilado de França, David também se exilou. Muitos têm levantado dúvidas quanto aos motivos de David, questionando como é que ele podia opor-se tão profundamente à monarquia para, mais tarde, apoiar alguém como Napoleão, que subiu ao poder pela força e passou a ser um ditador tirânico. Embora as suas pinturas revolucionárias fossem tão cruas e tão intensas que torna difícil acreditar que ele não acreditava genuinamente nisso. Napoleõ Bonaparte foi uma das figuras mais controversas que já existiram e com toda a razão. Restabeleceu a escravatura, depois de ela já ter sido abolida, acabou com os poucos direitos que as mulheres tinham conseguido obter durante a Revolução. Morreu com muito sangue nas mãos na sua intenção de conquistar a Europa e dominar o mundo, mas também introduziu reformas legais como a presunção da inocência até prova de culpa, liberdade de religião e progressos na educação, incluindo a integração das ciências nos programas esculares, tudo coisas que se mantêm pedras basilares da sociedade moderna. Para o bem ou para o mal, ainda hoje vemos no mundo sinais da presença de Napoleão. Napoleão pode não ter posado para o seu retrato mas a pintura de David retratou-o exatamente como ele queria ser visto, o salvador ideal de uma nação que estava desesperada e em ??? Nas palavras de Napoleão: "Encontrei a coroa da França na sarjeta "e apanhei-a com a minha espada "mas foi o povo que a colocou na minha cabeça." Napoleão ficou imortalizado na pintura de David como um homem que nos incita a segui-lo, um homem que se mantém calmo a cavalo dum garanhão selvagem, um homem que lidera os seus homens mesmo nas piores situações, um homem com o poder de dominar as montanhas e, talvez mais importante ainda, o poder de encomendar estas botas.