Olá e bem-vindos à exposição de Artemisia Gentileschi na Galeria Nacional Artemisia foi uma das maiores de todos os artistas barrocos mas foi também uma mulher e isso torna-a especial de formas interessantes. Quer dizer, ela não foi a primeira mulher artista na arte ocidental mas foi a primeira que impregnou toda a sua obra com o sentimento da sua feminilidade. Faz com que a sua obra seja poderosa e seja pioneira e, certamente, torna-a emocionante. Quando entramos na sala, a primeira pintura que vemos — é como uma bofetada na cara — a primeira imagem que vemos é esta e mostra-nos a conhecida história bíblica de "Susana e os velhos". Susanna era hebraica que era cobiçada por dois velhos da aldeia e que a espreitavam quando ela se banhava e tentaram forçá-la a ter relações sexuais com eles. Ela recusou-se e eles levaram-na a tribunal. Perderam o processo e quem ganhou o caso foi ela. É o tipo de história feminista, se quiserem. Mas Artemisia fez uma coisa tão arrepiante como esta. Muitos artistas barrocos pintaram Susanna e os velhos mas nunca com este sentimento íntimo de homens a reduzir o espaço dela invadindo a sua zona de conforto. Mas o que é ainda mais extraordinário é que ela pintou isto, talvez com 16 anos, no máximo, com 17. Isto que está à nossa frente diz-nos uma série de coisas sobre Artemisia Gentileschi Mas uma das primeiras coisas que diz é que ela era um prodígio. Sabia pintar desde muito cedo melhor do que qualquer outro na arte ocidental. Quando Artemisia tinha 17 anos, foi violada por um amigo do pai, outro pintor chamado Agostino Tassi e essa violação iria ter, obviamente, um profundo impacto na vida dela e resultou daí um abominável processo judicial. Uma das coisas que aqui têm é uma transcrição efetiva dos trâmites do tribunal. O que isso tem de espantoso é que quase ouvimos a voz de Artemisia, as coisas que ela disse, a forma como falou. Por vezes, torturaram-na para garantir que ela estava a dizer a verdade mas ela respondia sempre com respostas lúcidas, com respostas inteligentes e acabou como alguém que não era apenas uma vítima trágica mas uma figura com personalidade e inteligente. Esta é, provavelmente, a imagem mais famosa de Artemisia, tão famosa que ela fê-la duas vezes e, felizmente, a Galeria Nacional conseguiu obter as duas versões duma só vez. É "Judite decapitando Holofernes". Judite era uma heroína judia que lutou contra Holofernes e decapitou-o. Portanto, um tema muito feminino e um tema que, devido à violação de Artemisia, era especialmente pessoal. Mas o que eu gosto nele é a forma como as duas pinturas têm diferenças subtis. Ou seja, são ambas sangrentas, porque uma das grandes lições de Caravaggio foi que a violência é uma coisa que leva as pessoas a olhar para a arte, É um pouco como os filmes de Sam Peckimpah, nos nos 80 e 90. A violência é uma coisa que abala o ritmo do nosso dia a dia e faz com que reparemos em coisas. O que é maravilhoso são os pormenores aqui. Olhem para esta espada gigantesca que ela está a empunhar quando ela separa a cabeça do pobre coitado. E aqui só há um bocadinho de sangue a escorrer, é selvagem, mas não é nenhum banho de sangue. Quando ela pinta a segunda versão, olhem para todo aquele sangue. Jorra como água duma fonte barroca. Que drama enorme que é. A Galeria Nacional não tinha nada de Artemisia Gentileschi até há pouco tempo quando, muito felizmente, conseguiram comprar esta obra-prima dela. Trata-se de Santa Catarina que foi torturada com uma terrível roda cheia de espetos que rodava sobre ela mas é também um autorretrato de Artemisia. Assim, como Artemisia enquanto Santa Catarina, identificando-se profundamente com ela. Esta é Artemisia como Santa Cecília que é outra mártir cristã primitiva que foi torturada por causa da sua fé e que passou a ser a santa padroeira da música. É por isso que ela está a tocar. Reparem no olhar dela, é uma verdadeira acusação, não é? Parece que olha para nós e nos faz sentir um pouco culpados. É um autorretrato, mas um autorretrato com uma ambição para além disso. Acho que nos faz atravessar os tempos e identificarmo-nos com aquelas pobres jovens mártires dos primeiros tempos do Cristianismo. Esta sala aqui mostra a obra que ela começou a pintar quando foi para Roma na década de 1620 e é especialmente claro aqui que onde quer que ela fosse, sempre que mudava de local, a arte dela mudava um pouco. Ou seja, esta pintura aqui também é Susanna e os Velhos. É o primeiro tema na exposição, aqueles tipos assustadores a olharem para a mulher nua mas aqui há menos animosidade, está mais calmo. Parece tratar-se mais da beleza da carne e os velhos nem parecem ser tão horríveis como eram naquela pintura maravilhosa que ela pintou aos 16 anos. Assim, penso que há aqui uma tentativa de ser uma Artemisia mais respeitável. É importante recordar que ela não foi aquela heroína feminista a decapitar homens durante a sua carreira. Teve estas fases e a exposição mostra de forma maravilhosa. o desenvolvimento duma fase para outra. Embora a exposição seja basicamente cronológica, e nos faça percorrer todos os principais períodos da carreira de Artemisia, no final, abandona a cronologia e, com um toque sorrateiro, passa por alto os anos em Nápoles e traz-nos diretamente para a época em que Artemisia viveu em Inglaterra. Sim, é verdade, ela veio para a Inglaterra em 1638, pouco antes da guerra civil. Chegou aqui e trabalhou em vários esquemas decorativos com o pai Orazio O que eu mais aprecio aqui é que esta pintura famosa também foi pintada em Inglaterra e é uma das suas pinturas mais famosas: Artemisia Gentileschi, personificando a arte, a própria arte, simbolicamente. Muita gente tem dito que é um autorretrato .Claro, chama-se "Autorretrato", mas já vimos os outros autorretratos na exposição e este é claro que não é ela. Então, isto não é um autorretrato literal é um autorretrato simbólico, dela, da presença dela, do que a arte pode ser no mundo e, como ela trabalha numa figura só, ela adquire novamente aquela intensidade. Portanto, é um fim fantástico duma exposição fantástica.