Mariam Mansuryan: Que cor vocês
estão vendo no lado esquerdo do quadro?
Plateia: Azul.
MM: Certo. Que cor vocês estão vendo
no lado direito do quadro?
Plateia: Azul, azul-claro.
(Risos)
MM: Certo, digamos que aqui
seja azul-escuro e aqui azul-claro.
Todo mundo concorda?
Plateia: Sim.
MM: Certo, então como vocês
chamam essa cor em geral?
Plateia: Azul.
MM: Isso mesmo.
Bem, alguém aqui fala russo?
Alguém?
Ótimo. Vejo algumas mãos levantadas.
Tudo bem. Então como vocês chamariam
a cor à esquerda em russo?
Cиний.
E a cor à direita?
Plateia: Rолубой.
MM: Isso mesmo. Bem, como seria
o nome genérico delas?
(Risos)
Peguei vocês, porque, em russo,
não temos um nome genérico para elas.
Em russo, não podemos
dizer simplesmente "azul".
Ou dizemos "синий", azul-escuro,
ou "голубой", azul-claro.
Bem, sei que há dois ou três
falantes de armênio aqui, certo?
Então vou lhes dar uma frase
e pedir que a traduzam para o armênio:
"Eu tenho um tio".
Alguém na plateia: Ես քեռի ունեմ.
MM: Vejam, Nana disse: "Ես քեռի ունեմ",
mas ela não está correta.
(Risos)
Porque "Eu tenho um tio" pode significar
"Eu tenho um tio materno",
ou "Eu tenho um tio paterno".
Nana disse: "Eu tenho um tio materno".
Mas eu posso dizer: "Ես հորեղբայր ունեմ",
que pode significar
"Eu tenho um tio paterno",
e que também seria uma tradução correta.
O armênio, assim como o russo,
não nos permite dizer apenas "azul"
nem dizer apenas "tio".
É preciso especificar
de que tio estamos falando.
Há essas diferenças nas línguas,
mas, quando estava lendo "Harry Potter",
de J. K. Rowling, em armênio,
eu conseguia entender
o que estava acontecendo no livro,
mesmo se tratando de uma tradução
e havendo essas diferenças linguísticas.
Eu li quase o mesmo livro
de quem leu em inglês.
E vocês devem estar se perguntando
por que estou segurando esta régua, não é?
Bem, a razão é que a tradução
é como uma medida.
Assim, quando medimos algo, digamos 20 cm,
a maioria de nós sabe que não é 20.
É 20 mais ou menos 0,005.
Isso mesmo.
Química, física, ensino médio.
(Risos)
Então, é muito parecido com a tradução.
Quando leio "Harry Potter",
também vejo os mesmos 20 cm,
mas havia essa pequena incerteza.
Como as línguas
são diferentes por uma razão,
não podemos mover ideias
entre elas sem alguma perda.
Então, perdi 0,005, mas é algo tão pequeno
que realmente não faz diferença.
Mas será que há casos
em que não se trata apenas de 0,005,
mas de 1 cm ou talvez até mesmo 10 cm?
Bem, vocês acham que esta pessoa
é um menino ou uma menina?
Plateia: Menina.
MM: Sim, a maioria disse "menina",
e vocês estão corretos.
Mas...
ela, na verdade, é a personagem principal
de Harper Lee em "O Sol é para todos",
e, quando eu estava lendo o livro,
havia algo realmente estranho.
Eu não consegui saber o gênero
do personagem principal até a página 60,
porque a autora dava apenas pistas
e chegava a me confundir com frases como:
"Eu juro, Scout, às vezes você age
tanto como uma menina; é constrangedor".
E, quando se diz: "Você age tanto
como uma menina, é constrangedor",
entendemos que a pessoa
não deve agir como menina, certo?
Ou Scout dizia: "Uma vez,
eu bati nele, e ele ficou de boa".
"Bater" e "meninas"?
Em 1960? Não combinava, né?
(Risos)
Foi por isso que a autora me confundiu.
E eu ficava pensando:
"Talvez seja meu inglês,
talvez eu não esteja entendendo certo",
mas daí percebi que essa era
uma parte essencial do tema.
Porque, no meio do livro,
surge uma personagem: a tia Alexandra.
Ela é tia de Scout e tenta fazer
do personagem uma garota.
Assim, no início do livro, Scout
se identifica apenas como uma criança.
Não sou menina nem menino,
mas uma criança.
Mas depois a tia Alexandra
a educa para ser uma menina
e, no fim do livro, podemos
ver Scout usando vestidos
e bebendo café com a tia e suas amigas.
Assim, à medida que Scout
revela e descobre seu gênero,
o leitor faz o mesmo.
Assim, estamos na mesma jornada
que a personagem principal,
realmente vivemos com ela.
Vamos ver um exemplo.
Quando digo: "Mariam foi para casa"
em inglês, russo ou armênio,
sei que estou falando de uma garota,
pois Mariam é nome de menina.
Tudo bem, vamos substituir Mariam
por um pronome: "ela".
"Ela foi para casa", sei que é uma menina.
"Она пошла домой", sei que é uma menina.
Mas, quando digo "Նա գնաց տուն",
não dá pra saber,
porque, em armênio, como Nana deve saber,
o pronome "նա" representa
tanto meninos quanto meninas.
Mas, mesmo que eu queira esconder
o gênero da pessoa,
e dê um apelido a Mariam, digamos "Scout",
dizendo "Scout foi para casa",
não sei se é menino ou menina.
"Մեձաչքանին գնաց տուն", eu ainda não sei.
Mas, quando digo "Глазастик пошла домой",
"пошла домой", sei
que se trata de uma menina.
Porque, assim como não conseguimos
dizer "vai" em russo,
também não conseguimos dizer
apenas "foi" em russo,
ou qualquer verbo em russo,
porque ou dizemos "пошёл" ou "пошла".
"Пошёл" seria sobre meninos;
"пошла", sobre meninas.
Assim, quando quero traduzir
essa frase para o russo,
tenho de dizer "Я избил его",
ou "Я избилa его".
Mas esperem um pouco...
então isso significa que, em russo,
não se pode esconder o gênero de alguém?
Isso mesmo.
E, quando eu estava lendo
o livro em russo, adivinhem só!
O gênero de Scout foi revelado
já na primeira página.
Então, se formos discutir esse livro
com meu amigo russo,
que não sabe da questão
de "esconder o gênero de Scout",
teríamos uma compreensão
bem diferente do livro.
Então, não se trata mais de 0,005;
já é uma diferença enorme,
porque meu amigo não entendeu
aquela parte do tema que eu entendi.
É por isso que ler
"Harry Potter" em armênio
e ler "O Sol é para todos",
"Убить пересмешника", em russo,
é um pouco diferente,
porque, mesmo que também haja
diferenças em "Harry Potter",
elas não importam tanto.
Mas Harper Lee decidiu usar
essa especificidade que o inglês tem
e a oportunidade que isso deu a ela
para expressar um tema.
Portanto, quando lemos o livro em russo,
não entendemos bem o tema
que ela queria expressar.
Outro exemplo disso é "Quarto",
de Emma Donoghue.
Mas, antes de discutir o livro,
quero falar uma coisa.
Por exemplo, esta régua
seria feminino em russo,
porque é "линейка" e termina com "a".
Então é feminino, ou com "я".
É assim que o russo funciona.
O espanhol e o alemão
funcionam do mesmo jeito.
Essas línguas têm uma coisa
chamada "gênero gramatical".
Nesse livro, "Quarto", de Emma Donoghue,
uma mãe e seu filho ficam presos
num quarto por cinco anos,
e o filho nunca tinha visto o mundo
do lado de fora do quarto.
Assim é lógico pensar que ele
era uma criança um pouco estranha.
Como essa estranheza é expressa no livro?
Bem,
ele acha que todos os objetos
ao seu redor têm gênero.
Assim, por exemplo,
este tapete não seria "ele";
seria "ela".
Ele meio que tem uma mente russa,
mas que é estranha para quem fala inglês,
porque, quando dizemos
"tapete, ela" em inglês,
"tapete" é personificado.
Quando ele diz: "Temos feito
labirinto desde os dois anos.
Ela é feita de papel higiênico
colado em túneis que se enrolam
de muitas formas".
Nesse caso, "labirinto" é "ela".
Ótimo. Agora vamos tentar
traduzir isso para o russo.
Primeiramente, "лабиринт" seria "ele",
porque termina com a letra "т".
Mas não é isso o que importa.
Vocês podem dizer que não tem importância
pensar em "labirinto" como "ela" ou "ele".
A questão é que, em russo,
é completamente natural
dizer que "лабиринт" é "ele",
porque é assim que as pessoas falam.
Daí, aquilo que é visto como estranho
em inglês no livro de Emma Donoghue
é visto como uma coisa
absolutamente normal em russo.
Por esse motivo, quero relacionar isso
a algo que Roman Jakobson disse:
"As línguas diferem essencialmente
no que elas precisam expressar
e não no que elas conseguem expressar".
Assim, em russo, preciso expressar
o gênero da pessoa;
em armênio, preciso expressar
a qual tio eu me refiro.
Simplesmente não consigo
esconder o gênero.
Por isso, agora queria perguntar
uma coisa a vocês:
será que é o mesmo livro?
Obrigada.
(Aplausos) (Vivas)