(Música: "La Vie en Rose")
Cecília: Eu me sinto um pouco assustada.
Tenho muito medo
de que ele será como todo mundo.
(Algernon coça o nariz)
Cecília: Ele é igualzinho.
Algernon: Você, certamente,
é minha pequena prima Cecília.
Cecília: Você está muito enganado.
Eu não sou pequena.
Na verdade, acredito ser bem mais alta
que o normal para a minha idade.
Mas sou sua prima Cecília,
e você também está aqui
para ajudar Jo Michael Rezes
com a palestra TEDx dele.
E você é meu perverso primo Ernesto.
Algernon: Eu não sou perverso
de forma alguma, prima Cecília.
Não deves pensar isso de mim.
Cecília: Espero que não esteja
levando uma vida dupla,
fingindo ser bom, mas sendo
perverso o tempo inteiro.
Isso seria hipocrisia.
Algernon: Na verdade,
tenho sido um pouco imprudente.
Cecília: Fico feliz em saber.
Algernon: Mas o mundo é bom
o suficiente para mim, prima Cecília.
Cecília: Sim, mas você
é bom o suficiente para ele?
Algernon: Receio que nem tanto.
Por isso desejo que você me modernize.
Cecília: Receio não ter tempo essa tarde.
A palestra TED e tudo mais.
(Risos)
Algernon: Se importaria se eu mesmo
fizesse isso essa tarde?
Cecília: Isso é um tanto quixotesco
de sua parte, mas deveria tentar.
Algernon: Ótimo, já me sinto melhor.
Cecília: Você parece pior.
Algernon: Poderia me dar aquela rosa?
Cecília: Por quê?
Algernon: Porque você é
como uma rosa, prima Cecília.
Cecília: Não acho que seja correto
falar comigo dessa maneira.
Algernon: Você é a garota
mais linda que eu já vi.
B: Mas... bem...
Algernon: É sim...
Cecília: As aparências enganam.
Algernon: Bom, é um engano
que todos os homens sensatos
gostariam de cometer, e...
Jo Michael Rezes: (Suspiros)
Sinto muito, eu...
eu não terminei de ensaiar.
Não é porque não consigo
andar de salto alto,
na verdade, sou muito bom nisso,
e posso provar para vocês,
mas eu sinto muito.
Esperem um pouco.
Não importa.
Certo.
Muito bem, apresentações.
É uma palestra TEDx.
Olá, pessoal!
(Risos)
Meu nome é Jo Michael Rezes,
sou aluno de PhD em estudos
de teatro e apresentações artísticas.
E me especializei em estudos
de identidades "queer"
à medida que se desenvolvem
e afetam as percepções de tempo
nas apresentações de paródias.
Vocês sabem, "afeminado"?
O exagero no modo de se vestir?
Fazer do cafona algo familiar?
Não?
O tema do Met Gala de 2019
que foi profundamente mal interpretado
por 95% dos convidados?
(Risos)
Não? Tudo bem..
Também sou diretor,
ator e professor de teatro
na região metropolitana de Boston.
Onde estão meus modos?
Os amigos que trouxe comigo hoje
são Algernon e Cecília
de uma peça bem conhecida de Oscar Wilde,
"A Importância de Ser Prudente".
Eles voltarão, não se preocupem.
Apenas os assustei por um tempo.
E, sejamos sinceros,
não seria uma palestra TEDx
se as coisas não fizessem
sentido no final, seria?
(Risos)
Mas espero que não
tenha sido muito horrível.
Foi estranho, eu sei, me ver fracassar.
Mas fracassar no quê, exatamente?
Representar um homem
e uma mulher ao mesmo tempo?
Representar um homem e uma mulher
quando não sou nenhum deles?
Por que parece tão estranho quando vemos
alguém fracassar no seu gênero,
e por que nos importamos?
Obviamente, fracassar nisso
foi totalmente proposital.
E eu tinha decorado perfeitamente
e ensaiado tudo isso para hoje, certo?
(Risos)
Bem, eu estou aqui para falar
sobre a apresentação artística de gênero
e as maneiras como tenho usado
minhas aulas de teatro
como um espaço para quebrar a finalidade
da apresentação artística de gênero,
para abrir caminho para pensarmos
sobre a identidade de gênero
por meio de fracassos solidários,
enganos não intencionais
e comunicação sincera.
Todos nós, atores ou não,
podemos atuar com gêneros
no nosso cotidiano.
E chamo isso "ensaio de gênero".
Antes que os acadêmicos da teoria queer,
dos estudos das mulheres,
e os fanáticos de Judith Butler aqui
comecem a arrancar o traje
ultrabinário do meu corpo,
permitam-me explicar
onde a cultura popular
já começou a interpretar mal
a apresentação artística de gênero,
antes que eu fale sobre a questão
dos ensaios que tanto me agradam.
Como professor e jovem trans
de 20 e poucos anos,
constantemente escuto dos meus alunos,
amigos e colegas da mesma idade,
que o gênero em si está "acabado",
que o gênero é tão fluido e despreocupado
e que pessoas trans são incluídas
na sociedade, filmes e televisão,
que basicamente isso está acabado.
Não me assumi como binário,
pois não sou um.
Mas o gênero definitivamente não acabou.
Ou, pelo menos acredito que não.
E talvez o gênero esteja sempre começando.
No último semestre,
mais ou menos às 10:23 da manhã,
dois dos meus alunos de teatro,
enquanto personificavam de forma caricata
dois companheiros de fraternidade,
não consigo me lembrar do nome deles,
terminaram a aula,
e duas mulheres vestindo
roupas folgadas e bonés
abriram a boca para revelar
trejeitos e mentalidades relaxados.
E, por mais impressionante
que tenha sido ver isso,
essas mulheres oscilaram
entre ironia e sátira,
o estranho e a brutalidade,
a dor e a alegria,
até que, finalmente,
elas fracassaram ao representar
os homens que escolherem personificar.
Elas simplesmente pararam de falar.
Silêncio.
A aula se aquietou,
e o tempo pareceu ter sido sugado da sala.
E neste momento de silêncio ensurdecedor,
uma das mulheres,
ainda usando sua voz de "mano",
mas já fora do personagem,
disse, quase que em um sussurro,
(Com voz masculina) "Gênero
é uma elaboração social".
(Risos)
Admito que ri com meus alunos aquela manhã
em partes pelo ritmo cômico
que minha aluna apresentou,
mas também pela forma como a sociedade
tornou a apresentação artística de gênero
em gênero como uma elaboração social.
Agora, escutem isso:
acho que essa ideia vem da famosa
acadêmica em estudos homossexuais
Judith Butler, cujo trabalho inspirador
sobre apresentação artística de gênero
tem se tornado a base
para cursos universitários
em instituições de artes liberais.
Esta versão de "SparkNotes"
do trabalho de Butler
reconhece que o gênero existe
nas palavras e ações repetidas,
e que essas apresentações
criam e são criadas
pelo corpo de reais seres humanos.
Agora, escutem isso:
"Além disso, numa dissertação de 1988,
Butler alega que gênero
é um ato que foi ensaiado.
Desta forma,
gênero, através da repetição,
se torna um roteiro reconhecível,
o qual requer um ator para reproduzi-lo".
Muito parecido com a minha tentativa
em "A Importância de Ser Prudente".
Ou seja, vejam a minha fantasia.
(Voz grave) Por que esta metade
me faz sentir másculo, viril, suave.
(Voz aguda) E esta metade me faz
sentir mulher, fabulosa e feminina?
Alguns de nos até esquece
que o gênero está lá,
porque está muito bem ensaiado
em nosso corpo.
Mas sempre há um ideal de gênero
que nunca conseguimos alcançar.
Então, cabe a nós brincar com ele.
Eu já brinquei com gênero
por toda a minha carreira como ator,
e num semestre, como aluno de graduação,
fui escolhido para atuar
em dois papéis simultaneamente:
Brad Major em "The Rock Horror Show"
e Charlotte Ivanovna
em "The Cherry Orchard".
Um homem, uma mulher e um eu.
Eu ia de um ensaio,
representando o másculo, agressivo Brad,
apenas para, momentos depois,
ter que usar uma peruca
no delicado olhar da Charlotte,
uma governanta alemã.
A troca constante
entre essas duas identidades
não foi somente inestimável
para o meu trabalho como ator,
na tentativa de aumentar o espectro
do gênero no meu trabalho,
mas também me revelou
que minhas próprias
identidades homossexuais
deixam a desejar na incorporação
extrema dos gêneros.
Esses personagens mantiveram aspectos
importantes da minha identidade,
do meu corpo,
da minha dor diária,
das minhas interações sociais e memórias,
e ensaiar esses personagens
me permitiu explorar essas identidades,
o que me fez perceber que meu dever
como professor de teatro
era mostrar a importância de brincar
com o gênero nos ensaios.
Então, quando apresento a vocês
(voz aguda) Cecília
e (voz grave) Algernon,
há partes que respeito
nos dois personagens,
entendimento implícito,
opressões com que me relaciono,
medos que posso expressar,
tendências agressivas que tento esquecer.
Mas também existem várias características
com as quais não tenho
experiência pessoal nenhuma,
nada com que eu possa me relacionar.
E algumas vezes, na agitação do ensaio,
lendo um roteiro,
criando um personagem,
nós cometemos um engano.
O flerte agressivo de Algernon com Cecília
não me parece correto no meu corpo,
ou a conduta calma de Cecília
como descrita por Oscar Wilde
não parece natural,
e eu literalmente viajo com isso.
Essa palestra TEDx é uma atuação
em frente a tantas pessoas,
e muito diferente das minhas aulas.
Mas existe uma pressão muito
reconhecida no nosso cotidiano
de atuar com o nosso gênero,
nós mesmos,
num palco como esse.
E sendo muito honesto,
falhar ao passar como homem ou mulher
ainda é perigoso para pessoas trans
e aquelas que não se adaptam.
E escutem isso:
de acordo com a pesquisa feita nos EUA
sobre transgêneros em 2015,
quase metade dos entrevistados alegam
ter sido verbalmente agredidos
no último ano devido a sua identidade
de gênero ou expressão.
E este número parece crescer
nas comunidades negras.
Muitos de nós alega ver o gênero
como um espectro,
e isso é ótimo,
incluindo 60% de indivíduos da geração Z
que relataram no Centro
de Pesquisa de Pew em 2019
que eles acreditam que formulários
com opções "masculino" ou "feminino"
deveriam incluir mais opções de gênero.
Mas independentemente disso,
ainda há um medo intrínseco
em cometer enganos com gêneros
em escritórios, em salas de aulas,
aos olhos do governo,
em situações românticas,
e para alguns de nós,
até em frente ao espelho
quando acordamos pela manhã.
Mas nossos enganos sobre gênero
têm o potencial para algo bom.
Até mesmo o binário,
abordar a vida no palco
como homem ou mulher,
podemos apoiar uns aos outros
na experimentação,
tropeços e cambaleios,
duas longas horas de meditação,
ou cinco segundos de troca
de roupa com gênero específico.
E fracassar é a parte crucial na teoria de
apresentação artística de Judith Butler.
Mas acredito que muitos,
como todos vocês por aí,
podem escutar "apresentação artística"
e escutar "interpretação".
Ou seja, apresentação pronta
ou se não for, talvez a apresentação,
no geral, nos faz sentir ansiedade.
Ou medo de palco como sinto até hoje.
Precisamos entender
que fracassar no gênero
pode e deve ser um processo
generativo positivo.
Os enganos que cometemos com gênero
podem nos ajudar a crescer
e entender melhor as várias atitudes
dos gêneros ao nosso redor.
Mas precisamos abrir espaços
para esses enganos.
Precisamos ter espaço
para esses fracassos.
É nessa hora que o ensaio vem para ajudar.
Um dos principais pontos que gosto
de ressaltar aos meus alunos
quando sentem pânico nos últimos minutos
antes de um monólogo ou uma cena,
é que ninguém está realmente pronto.
Nunca acabamos de ensaiar;
apenas nos colocamos
em frente a uma plateia.
No último verão, lecionei
uma oficina de flexão de gênero
na escola Somerville Arts for Youth,
e deixei bem claro para um grupo
de alunos do ensino médio
que não se pode ser um valentão
e um bom ator ao mesmo tempo.
É impossível.
Há algo no ato de personificação
que requer empatia para sobreviver.
Intimidação impede o processo criativo.
Enquanto esses alunos
se movimentavam ao redor da sala,
tentando ao máximo apresentar
os extremos do gênero binário,
isso resultou em movimentos desajeitados,
risos,
paródias de estereótipos
que vemos em filmes e na televisão,
alegria no fracasso de entender o gênero.
Até meus alunos universitários
de introdução à dramaturgia,
aproveitaram a oportunidade
de brincar com gênero
quando restringi o tempo de pensar deles.
No Halloween passado,
pedi aos meus alunos para irem fantasiados
e para jogar seus chapéus
no meio de um círculo,
metaforicamente e literalmente,
e a única regra do jogo
era ir ao centro do círculo
pegar um chapéu, escolher
um personagem e depois trocar.
Sem tempo para pensar.
E apenas dois homens na aula perceberam
que ninguém estava indo até o círculo,
então, eles pularam no centro,
e um deles se tornou
(Voz grave) um machista britânico,
(Voz aguda) e o outro,
uma recatada moça britânica.
O tempo parou.
Risos,
mimetismo,
alegria, novamente,
no fracasso de entender o gênero.
Este é o potencial do ensaio de gênero.
E desafio todos vocês
a pensarem nos seus dias como miniensaios.
Cultivem espaço na vida de vocês
para explorar o gênero.
E permitam que outras pessoas
explorarem o gênero delas,
que fracassem no gênero.
Gostaria de oferecer maneiras
mais tangíveis para fazerem isso.
Mas gênero é engraçado assim.
Gênero é um ato que já foi ensaiado.
Alguns atos mais ensaiados que outros.
Mas gênero está longe de ser perfeito.
E algumas vezes,
como em um ensaio,
quando apoiamos uns aos outros
na hora de nos apresentarmos,
na alegria e na tristeza,
acabamos ganhando mais do que
se não tivéssemos tentado ou fracassado.
Algernon: Bem, acho que foi
um grande sucesso.
Estou apaixonado por Cecília
e isso é tudo.
Mas preciso vê-la antes de ir.
Oh, aí esta ela.
Cecília: Voltei só para regar as rosas.
Pensei que estávamos
em uma palestra TEDx com o Jo.
Algernon: Eles foram pedir
a charrete para mim.
Cecília: Irão levar você
para um bom passeio?
Algernon: Eles irão me enviar para longe.
Cecília: Então devemos nos despedir.
Algernon: Eu temo que sim.
É uma despedida muito dolorosa.
Cecília: Na ausência de amigos,
alguém pode suportar com serenidade.
Mas mesmo uma separação momentânea
de alguém que acabei de conhecer
é quase insuportável.
JMR: Obrigado.
(Aplausos)