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[canto em kaingang]
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[chocalhos e batidas ritmadas no piso]
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[o canto e os instrumentos continuam]
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[aplausos das crianças]
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[vozes de crianças ao fundo]
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[Professora] Assina aqui,
faz favor.
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Isso.
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Engraçado. Não sabia que Thayara
era nome indígena.
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As crianças gostaram, né?
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[Thayara] Que bom que
eles gostaram.
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[Thayara, em kaingang]
Meu nome é Prunjē.
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Mas quando precisei ser
registrada no cartório
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não autorizaram esse nome.
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Precisei de outro, para que vocês
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não indígenas, pudessem me chamar.
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[sopro de flauta indígena]
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[risos]
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[trânsito e conversa em kaingang]
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[Thayara, em kaingang]
Eu cresci numa aldeia
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meu marido também
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o nosso filho não.
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Mas ter nascido na cidade não
muda o que ele é.
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[pássaros cantando]
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[Thayara, em kaingang]
A gente não deixa de ser indígena
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porque dorme numa cama e não numa rede.
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Uma árvore não deixa de ser uma árvore
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porque as raízes não aparecem.
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Minhas raízes estão aqui.
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A árvore que mudou.
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Teve que mudar.
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[manuseando sacola]
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[pássaros cantando]
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[bipes do microondas]
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[Thayara fala em kaingang]
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[apito do microondas]
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[Thayara, em kaingang]
Minha mãe pergunta se estou orando.
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[Thayara fala em kaingang ao celular]
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Ela e meu pai frequentam
a igreja evangélica.
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Para muitos de nós
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a igreja parece uma salvação
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não só pela necessidade de Deus
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mas também pela necessidade
de integração.
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[motor do ônibus e trânsito]
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[Thayara, em kaingang]
Para alguns de vocês
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somos considerados índios falsos
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por morarmos na cidade.
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[vozes indistinguíveis]
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Mas se não podemos ser indígenas
em nossas aldeias
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nem nas cidades onde
estamos agora
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onde seremos?
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[Thayara] Mas só que lá,
onde que a gente mora
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também não vê que eles
desmataram tudo lá no...
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Numa chácara lá perto lá.
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Alguns lá... Os não indígena, né?
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[Fátima] Aham.
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[Thayara] Daí queimaram tudo
as taquara também
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que nós ia fazer também os anel,
as pulseira ali de palha.
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Não tem mais também,
com o que fazer, sabe?
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[Fátima] Aham.
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[Thayara] Desmataram tudo, né?
Daí termina tudo.
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Cipó também é difícil de achar que...
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Não tem mais como, né?
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[Fátima] Não.
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[Thayara] Daí como é que
a gente vai vender
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só coisas natural?
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Não tem.
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[Fátima] Não tem, né?
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[Thayara] Daí a gente tem que
comprar na galeria
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pra poder vender também, né?
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[Fátima] Aham.
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[Fátima] Por que ali na
frente da casa.
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Ali naquele...
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Naquele parque lá
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eu fui buscar taquara
que eles tinham
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e não tinha nada de taquara.
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[Thayara] Não.
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[Fátima] Não tem mais.
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[Thayara] Por causa que ali que o...
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Que os outros ali indígena
ali da aldeia
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iam buscar os cipó
também, né?
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[Fátima] É.
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[Thayara] E não vê que ali
fizeram um parque, né?
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Daí desmataram tudo
também, daí...
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Aí é difícil, só indo pro
Rio Grande, né?
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Lá tem mais, né?
Do que por aqui, assim
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em Curitiba, né?
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[Fátima] É.
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[Thayara] Aham.
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[Marcelino fala em kaingang]
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[Gabriel gargalha]
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[Thayara fala em kaingang]
-
[Thayara fala em kaingang]
-
[Marcelino fala em kaingang]
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[canto em kaingang]
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[chocalhos]
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[Thayara, em kaingang]
Ao fim das apresentações
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as crianças fazem perguntas.
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Nesse dia eu chorei com uma pergunta.
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A pergunta era se já tinham duvidado
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que eu sou indígena.
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Sim, já.
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Já perguntaram sim,
se eu sou uma indígena.
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Quando eu vou em
posto de saúde
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às vezes as pessoas olham
pra gente com uma cara, sabe?
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Que não sei explicar.
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Não sei o que as
pessoas pensam
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olhando pra gente.
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Mas por que essa pergunta
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se minha aparência já mostra
que eu sou uma indígena.
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[soluço]
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Aí às vezes eu não consigo
responder a pessoa.
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Mas eu nasci indígena.
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Eu tenho orgulho de ser indígena.
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E eu vou morrer indígena.
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[Noticiário na TV]
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[Thayara, em kaingang]
Desde que os não indígenas
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entraram em contato com os indígenas
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trouxeram com eles o desejo
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de impor seu modo de vida
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e mudar nossas crenças e costumes.
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Trouxeram a devastação da floresta
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a vergonha, o pecado
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a mentira de que nosso modo de vida era errado.
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Não me perguntem se antes
era melhor ou pior.
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Hoje, não faz o menor sentido
perguntar isso.
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O antes não existe.
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Nós todos estamos
condenados ao agora.
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[Noticiário na TV]
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[música instrumental]
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♪
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[conversas em kaingang]
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[música instrumental continua]
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[Thayara, em kaingang]
Aos nossos irmãos que ainda vivem
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e resistem em suas terras
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desejo força.
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Que fiquem.
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Que lutem.
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Eu só não queria que fosse
tão difícil pra vocês.
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[música instrumental continua]
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♪
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[Thayara, em kaingang]
Do lado de cá, a gente se adapta.
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A gente existe.
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A gente resiste.
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[burburinho de crianças]
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[Professora] Gente, silêncio.
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Eu vou pedir pra vocês prestarem atenção
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que nós teremos uma
apresentação de dança.
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E eles estão aqui na nossa escola
em comemoração
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ao Dia dos Povos Indígenas.
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Eu vou pedir pra que vocês
prestem atenção
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aproveitem a apresentação
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e depois, somente depois, aí
vocês podem fazer perguntas.
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[canto em kaingang e chocalhos]
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[Thayara] Vamo.
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Vamo lá pegar o ônibus que
nós já vamos ir.
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[Gabriel] Pra onde? Qual é?
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[Thayara] É pra lá o ônibus
que nós vamos pegar pra nós ir pra casa.
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[Thayara, em kaingang]
Se estamos aqui
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é porque escolhemos viver.
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Mais que tudo, escolhemos sobreviver.
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E fazemos o que podemos para isso.
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[canto de pássaros]
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[Gabriel fala em kaingang]
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[risos]
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[Marcelino fala em kaingang]
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[Marcelino fala em kaingang]
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[pássaros e ranger de galhos]
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[Thayara fala em kaingang]
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[Marcelino] Gabriel!
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[Marcelino fala em kaingang]
-
[Marcelino fala em kaingang]
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[Marcelino] Gabriel!
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[Thayara fala em kaingang]
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[Gabriel] Consegui!
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[Thayara] Viu? Que legal.
Essas árvores ó...
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[Thayara] Ó e vem até aqui
na calçada... Ó.
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[canto em kaingang]
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[cantando em kaingang]
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♪
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♪♪