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O quarto é difícil porque
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tu sofres,
-
não é a outra pessoa que sofre,
és tu que sofres.
-
E acreditas que o teu sofrimento
foi causado por
-
(Risos)
-
por ele ou por ela.
-
Se fosse outra pessoa a fazer-te isso,
-
terias sofrido menos,
mas não é outra pessoa.
-
É ele, é ela,
-
é a pessoa que mais amas
-
que te fez isso.
-
Se fosse outra pessoa a
-
dizer-te isso,
não
-
doeria
-
tanto
-
como agora.
-
Porque foi a pessoa que amas,
em quem mais confias,
-
que te disse isso.
-
Por isso, sofres profundamente.
-
E
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sentes-te muito sozinho.
-
Muito sozinho.
-
E
-
preferes ir para o teu quarto,
-
trancar-te lá dentro e chorar.
-
Porque dói tanto
-
que, mesmo que essa pessoa,
-
a outra pessoa venha perguntar
como estás,
-
não queres responder.
-
Queres dizer-lhe,
-
indiretamente,
-
que não precisas dele,
que não precisas dela.
-
Que podes sobreviver muito bem
sem ele, sem ela.
-
Isso é tolice, mas muitos de nós
fazemos isso.
-
Isso é orgulho,
-
o elemento do orgulho no amor.
-
E isso é o oposto da interexistência.
-
A perceção da interexistência,
-
há um "eu" a impedir o caminho.
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Ficas magoado.
-
Quando a outra pessoa te pergunta:
-
"Querido, estás a sofrer
-
por alguma coisa?"
-
E tu respondes:
"Eu? A sofrer?
-
Por que haveria eu de sofrer?"
-
Por que haveria eu de sofrer?"
-
Finges que não sofres.
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E se ele quiser pousar a mão
no teu ombro,
-
dizes: "Deixa-me em paz."
-
Fazes tudo para lhe dizer,
-
indiretamente, que não precisas dele,
que não precisas dela.
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Que sozinho consegues sobreviver muito bem.
-
Isso é uma espécie de castigo.
-
Queres castigá-lo.
-
E isso não é amor verdadeiro.
-
Porque no amor verdadeiro
temos de partilhar tudo.
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O teu sofrimento é o sofrimento dele.
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A tua felicidade é a felicidade dela.
-
E é muito difícil ires ter com ele
e pedires ajuda,
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mas a verdadeira prática,
a prática genuína,
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é dizer-lhe, dizer-lhe que sofres.
-
Há uma história real, verdadeira,
que aconteceu no Vietname no final do século XV.
-
Havia uma mulher
-
que estava grávida,
-
Nam-Soon,
-
Senhora Nam-Soon,
-
e o marido teve de ir para a guerra,
para o exército.
-
Eram ambos jovens,
-
e choraram tanto
quando o jovem teve de partir.
-
E ela teve de
-
criar o filho sozinha,
-
dar à luz e criar o filho sozinha.
-
Ele esteve no exército durante três anos.
-
E teve a sorte de
-
ser libertado do serviço militar com vida.
-
Então, voltou para casa.
-
E quando ela soube da boa notícia,
-
foi até ao portão da aldeia
-
com o menino para o receber.
-
E foi um momento muito feliz,
-
quando se reencontraram
depois de três anos.
-
E foi a primeira vez que
-
o jovem pai viu o seu filho.
-
Então, de acordo com a nossa tradição,
-
tens de anunciar as boas notícias
aos teus antepassados.
-
No Vietname, existe a prática
do culto aos antepassados.
-
Cada casa tem um altar
dedicado aos antepassados.
-
E todas as manhãs,
-
tens de ir ao altar,
limpar o pó,
-
acender um pau de incenso
e fazer uma oferenda.
-
Demora um ou dois minutos,
-
mas para nós é uma prática
muito importante.
-
Porque
-
acreditamos
-
que os nossos antepassados
estão sempre vivos, pelo menos dentro de nós.
-
E onde quer que vamos,
os nossos antepassados vão connosco.
-
Não fora, mas dentro de nós.
-
E
-
o momento,
-
o minuto que passas para estar
com os teus antepassados,
-
para acender um pau de incenso,
-
é o momento em que
-
te conectas com os teus antepassados.
-
Isso é muito importante.
-
Se estás desenraizado,
não tens estabilidade suficiente
-
e quando algo acontece,
algo importante acontece na família,
-
tens de anunciar formalmente
aos teus antepassados.
-
Suponhamos que nasce um bebé.
-
Tens de fazer uma oferenda,
colocá-la no altar
-
e anunciar o nascimento do bebé,
-
porque os teus antepassados
têm o direito de saber.
-
Se vais enviar o teu filho
para a escola,
-
noutra cidade,
-
tens de
-
fazer uma oferenda, colocá-la no altar
e anunciar isso aos teus antepassados.
-
Se estás prestes a casar a tua filha,
-
tens de anunciar isso
aos teus antepassados.
-
E essa é uma prática de todos.
-
Então, a senhora foi fazer compras
para preparar uma oferenda.
-
E o homem ficou com o filho
e tentou persuadi-lo a chamá-lo de pai.
-
Pai.
-
Mas o menino, o pequeno, recusou.
-
"Senhor, você não é o meu pai."
-
"O meu pai"
-
"O meu pai costumava vir todas as noites."
-
"E a minha mãe falava com ele
durante muito tempo,
-
e chorava."
-
"E sempre que a minha mãe se sentava,
-
o meu pai sentava-se."
-
"E quando a minha mãe se deitava,
ele deitava-se."
-
E quando o jovem pai ouviu isso,
sofreu imenso.
-
Acreditou que havia outro homem
-
que, na sua ausência,
tinha invadido o seu lar,
-
a sua família.
-
Então, o seu coração tornou-se
um bloco de gelo.
-
Foi para casa sem dizer
nada ao pequeno.
-
Mas, na verdade, não havia ninguém
que viesse todas as noites.
-
Um dia, o menino chegou tarde a casa,
-
porque estava a brincar
com as outras crianças da aldeia.
-
E disse:
"Mãe, toda a gente tem um pai.
Onde está o meu pai?"
-
"Eu quero ter um pai."
-
Então, ela estava a acender
o candeeiro a petróleo
-
e apontou para a própria
sombra na parede e disse:
-
"Este é o teu pai. Porque não
lhe dizes boa noite?"
-
"Faz assim: ‘Boa noite, papá!’"
-
E essa era a verdade.
-
E, claro, ela passou muito tempo
a falar com a própria sombra.
-
Ela sentia-se tão sozinha.
-
Falava com ele:
-
"Meu querido marido, tens estado ausente por tanto tempo,
como posso eu estar sozinha
-
a criar o nosso filho?"
-
E, claro, quando ela se sentava,
a sombra sentava-se.
-
E essa era a verdade.
-
Mas o jovem teve uma perceção errada,
-
pensou que alguém tinha entrado
na sua casa.
-
E foi por isso que, quando
a mulher regressou a casa,
-
ele já não a olhava.
-
Ele não respondia mais.
-
Ele tornou-se muito frio.
-
E ela começou a sofrer.
-
Não compreendia porquê. O que tinha acontecido?
-
E quando a oferenda foi colocada no altar,
-
ele estendeu a esteira,
-
ofereceu incenso
-
e tocou a terra quatro vezes,
de acordo com a tradição.
-
Depois disso, enrolou
-
enrolou a esteira
-
e não permitiu que a jovem
-
tocasse a terra,
-
pensando que ela não era digna
de se apresentar
-
diante do altar,
porque tinha cometido adultério.
-
E ela sentiu-se muito humilhada.
-
Não sabia porquê.
-
E em vez de partilhar a refeição,
ele saiu e foi para a taberna,
-
tentando esquecer o seu sofrimento
com a bebida.
-
E não voltou para casa
antes das duas ou três da manhã.
-
E continuou a fazer isso várias vezes.
-
E a senhora sofreu tanto,
que já não conseguia suportar.
-
Então, lançou-se ao rio Hoang Giang,
ali perto.
-
E quando ele soube da morte da esposa,
-
voltou para casa para cuidar do filho.
-
E naquela noite, quando acendeu
o candeeiro a petróleo,
-
o menino disse:
-
"Senhor, aqui está o meu pai!"
-
E apontou para a sombra do pai.
-
"Ele vem todas as noites!"
-
E naquele momento,
-
o jovem pai percebeu a verdade.
Mas era demasiado tarde.
-
Ele foi vítima de uma perceção errada.
-
Era tarde demais.
-
E no dia seguinte, toda a aldeia soube
-
da tragédia.
-
E as pessoas vieram ajudar o jovem
a organizar
-
uma cerimónia fúnebre
de três dias,
-
para orar pela libertação da alma
da jovem mulher.
-
O rei Lê Thánh Tông, que era poeta,
-
um dia passou por ali
-
e viu um santuário construído
-
perto do rio. E perguntou
-
sobre isso.
-
E os aldeões contaram-lhe a história.
-
A tragédia.
-
Ele ficou tão comovido que escreveu um poema,
-
que foi gravado numa pedra.
-
E esse poema ainda existe.
-
A tragédia aconteceu porque
-
o Senhor Truong (esse era o seu nome)
-
e a Senhora Nam Xuong (o nome dela)
-
não souberam praticar o quarto mantra.
-
O quarto mantra é assim:
-
"Querido, eu sofro. Querido, eu sofro.
-
Por favor, ajuda-me.
-
Por favor, explica-me porque fizeste
uma coisa destas comigo?
-
Porque disseste tal coisa para mim?
-
Eu sofro. Por favor, ajuda-me."
-
Se o Senhor Truong tivesse feito isso,
-
a Senhora Nam Xuong teria tido
tempo para explicar,
-
e ambos teriam evitado a tragédia.
-
Mas ela também agiu daquela forma.
-
Ela estava magoada e também havia
orgulho nela.
-
Se ela tivesse ido até ele e dito:
-
"Querido, meu marido, eu sofro tanto.
-
Não entendo porquê,
desde que voltei do mercado,
-
tu já não me olhaste mais.
-
Não me
-
respondeste mais.
-
Fiz algo horrível para me tratares assim?
-
Por favor, ajuda-me. Explica-me."
-
E se ela tivesse feito isso,
o Senhor Truong teria dito:
-
"O menino disse que alguém
vinha todas as noites.
-
Quem era essa pessoa?
Eu sofro tanto. Explica-me, por favor."
-
Então teria havido uma explicação,
e não teria havido tragédia.
-
E, embora seja um pouco difícil de praticar,
-
o quarto mantra é essencial
para evitar tragédias.
-
Por isso, da próxima vez, amigos,
se acontecer de estarem a sofrer,
-
e acreditarem que o vosso sofrimento
foi causado por ele, por ela,
-
pela pessoa que mais amam,
-
não façam como o Senhor Truong.
-
Não façam como a Senhora Nam Xuong.
-
Não façam isso. Não deixem que o orgulho
fique no vosso caminho.
-
Vão até ele, vão até ela, e peçam ajuda.
-
Na Plum Village, aconselhamos
-
os nossos amigos a pegar
num pedaço de papel
-
do tamanho
de um cartão de crédito
-
e escrever três frases:
-
A primeira frase é:
-
"Querido, eu sofro,
e quero que saibas disso."
-
"Querido, eu sofro, e quero
que saibas que estou a sofrer."
-
Não finges que não sofres.
-
Sofres e dizes que sofres.
-
Porque, no início, ambos prometeram
partilhar tudo,
-
tanto o sofrimento como a felicidade.
-
Então, isto é algo natural.
-
Sofres, e dizes que sofres.
Dizes-lhe que sofres.
-
A segunda frase é:
-
"Estou a fazer o meu melhor."
-
Porque sou um praticante da atenção plena,
-
estou a praticar a respiração consciente,
a caminhada consciente,
-
e a olhar profundamente
para o meu sofrimento,
-
para ver se ele vem de uma perceção errada ou não.
-
Porque é muito possível que eu seja
uma vítima de uma perceção errada.
-
Talvez não tenhas tido a intenção
de me fazer sofrer,
-
mas eu tenho uma perceção,
uma perceção errada.
-
Então, estou a fazer o meu melhor
para olhar profundamente para o meu sofrimento.
-
E essa segunda frase
-
é uma espécie de convite indireto
para a outra pessoa praticar também.
-
"O que fiz eu? O que disse eu?
Para que ele ou ela sofresse tanto?"
-
E essa pessoa começa a refletir, a pensar.
Isso é prática.
-
E a última frase é:
-
"Por favor, ajuda-me. Ajuda-me."
-
E podes guardar esse pedaço de papel
na tua carteira.
-
Esse é o Dharma na tua carteira.
-
O Buda na tua carteira.
-
(Risos)
-
E sempre que sofreres e acreditares
que o teu sofrimento foi causado
-
por ele, por ela,
-
pela pessoa que mais amas,
tira esse papel,
-
e saberás exatamente o que fazer.