-
(música estilo jazz)
-
Estamos vendo a pintura
-
de Otto Dix "Retrato de Sylvia von Harden"
-
e é de 1926.
-
Quem foi Sylvia von Harden?
-
Sylvia von Harden foi uma figura
-
fantástica que na verdade não foi
jornalista
-
mesmo que o título diga isso.
-
Ela não foi jornalista mas na verdade
-
uma poetisa e escritora de histórias
breves que trabalhou na Alemanha.
-
A pintura a mostra no Café Romanisches
-
em Berlim que era um ponto de encontro
para todos
-
os artistas de vanguarda
-
escritores e poetas dos anos 1920.
-
Sylvia von Harden é mostrada aqui neste
-
cantinho onde ela se divertia
-
numa mesinha de café.
-
Ela era uma neue frau [nova mulher] de
vanguarda.
-
Amiga de vários artistas
-
poetas e escritores da época.
-
Então neue frau é a nova mulher na
Alemanha
-
do início do século XX
-
Estamos entre a primeira e a segunda
guerra mundial aqui.
-
A nova mulher, é aquela da
-
esfera pública que sai e trabalha?
-
Ela tem o cabelo bem curto,
-
O que a faz um pouco andrógina.
-
Suas mãos são muito largas
-
Isso tem a ver com a representação
-
Da nova mulher num trabalho artístico
talvez?
-
Sim.
-
Tem a ver com a nova mulher em geral,
-
Mas também com o estilo de retrato de
Otto Dix.
-
Uma coisa pela qual Otto Dix foi famoso
-
foi o fato de fazer modelos bem feias
-
e não atraentes.
-
Sylvia von Harden era assim na vida real
-
mas não na forma como Dix a mostra.
-
Coisas como seu cabelo.
-
Ela tinha de fato o cabelo curto.
-
Na Alemanha esse corte tinha um
-
nome específico muito engraçado
chamado Bubikopf
-
que era moda nos anos 20.
-
Ela de fato tinha certa aparência
andrógina.
-
Este vestido se baseia numa peça que
ela usou.
-
Há muita base na realidade.
-
Mas coisas como as mãos, ele alonga
-
e cria essas mãos imensas.
-
Acho que tem a ver com deflexão
-
e posicionamento enquanto chama a atenção
para coisas como
-
a área onde os seios deveriam estar,
-
porque ela é uma figura tão andrógina,
-
que não tem nenhum.
-
Ela usa este vestido bem geométrico
-
que esconde qualquer tipo de feminilidade
que ela possa ter.
-
Ela está coberta.
-
usa gola alta então não
-
conseguimos nem ver o pescoço.
-
Então se vê a outra mão
-
enrolada no colo, o cobrindo.
-
Há outros elementos em que
-
se pode ver que mostram
coisas diferentes.
-
No corpo?
-
Se você olhar esse detalhe.
-
A meia-calça que cede você vê.
-
É um grande momento de realismo
-
capturado por Dix.
-
Você não quer mostrar as meias-calça
-
cedendo.
-
Isso mostraria desleixo.
-
Ele não parece ter um ar muito educado
sobre ela
-
Mas por outro lado ele dá a ela
-
essa qualidade subversiva.
-
Ela está sentada, olhando.
-
Tem até um monóculo.
-
Ela tem essas particularidades,
-
esses pequenos acessórios que a
-
caracterizam como um tipo específico
de mulher,
-
a meia-calça que cede, as mãos largas,
-
o monóculo que destaca a visão
-
e o olhar que a nova mulher deve ter.
-
Ela tem cigarros.
-
Está fumando em um lugar
público.
-
Construindo uma identidade
-
própria para este personagem,
-
E Dix era muito talentoso ao fazer isso
em sua pintura.
-
O padrão do vestido parece
-
enfatizar um sentido de superfície e
algo plano.
-
ao invés do corpo.
-
O pescoço parece cilíndrico e quase
-
mecânico ao invés de uma forma orgânica
humana.
-
Acho que uma das coisas que gosto
-
sobre esta pintura também
é a forma como Dix
-
usa essas áreas e formas geométricas
-
E as joga em contraste com, se olhar
atrás dela,
-
ela se senta nesta cadeira ornamentada.
-
Esse tipo de curva é mais feminina
-
do que seu corpo, o que acho ser um ótimo
-
comentário a ser feito.
-
Então há o círculo de seu monóculo,
-
o círculo da mesa de mármore,
-
o círculo da taça que tem
-
um tipo de coquetel particular
-
que era popular na época.
-
Essas coisas, e as coisas que são
-
longas e planas como seu corpo que
-
deveria ser o menos plano se pensar
-
na aparência dos corpos.
-
Os corpos são redondos, curvos
-
e sensuais ou dessexualizados,
-
formas andróginas que Dix faz aqui?
-
Devemos contextualizar
-
isso em termos da nova objetividade
-
ou neue Sachlichkeit.
-
Sim. Sachlichkeit.
-
Que ocorria na época,
-
um movimento do entreguerras que voltou
-
para um estilo mais figurado
e naturalista
-
relativamente mais naturalista do que
seria
-
familiar em termos de Kirchner
-
ou o expressionismo alemão ou Kandinsky
é claro.
-
outros artistas que trabalhavam na
Alemanha na época.
-
Por que voltar a esse estilo que é
-
mais naturalista?
-
Acho que o realismo é,
-
Há muitas coisas importantes sobre isso
-
nessa época, mas aqui é 1926.
-
Há esse sentido geral na Alemanha,
-
que também acontece em outros países
europeus
-
de retorno à ordem. De retorno à tradição,
-
um sentido de que queriam criar
-
algo novo, mas queriam que
tivesse
-
um significado particular e que fosse
enraizado
-
em algo muito alemão.
-
Otto Dix volta às tradições
-
do retrato na Alemanha.
-
Volta a Holbein que cria
-
retratos importantíssimos
-
trazendo a qualidade alemã.
-
Holbein é hiper-naturalista não é?
-
Sim. Ele é hiper-naturalista.
-
O que ele faz é pegar o naturalismo
-
e realismo e os eleva a outro nível
-
onde é quase uma caricatura.
-
Fica entre os dois.
-
Muitos dos pintores neue Sachlichkeit
fizeram isso.
-
quase um realismo fotográfico,
-
mas ao extremo.
-
É interessante que seja
-
caracterizado como chamado à ordem
-
ou um retorno à ordem enquanto
-
representamos alguém que aparentemente
-
derruba um gênero tradicional
-
hierarquias e formas ordenadas de
pensamento
-
sobre os homens e mulheres como separados.
-
A nova mulher, particularmente encarnada
-
aqui por Sylvia, parece confundir
-
essas categorias ao invés de mostrar
-
O quanto são boas e ordenadas.
-
Ela é definitivamente
sobre
-
derrubar coisas.
-
Mesmo seu nome foi fabricado.
-
É um pseudônimo.
-
Ela mudou de nome quando iniciou a
carreira literária
-
Ela não era uma escritora popular,
-
mas era uma de muitos poetas e escritores
-
que trabalhavam em deferentes peças
-
publicadas em pequenos jornais
-
lidas por um público muito restrito.
-
Ela definitivamente derruba diferentes
-
estereótipos culturais e de gênero
-
e neste espaço de subversão
-
na cultura alemã dos cafés na época.
-
O que as modelos de Dix achavam
-
do fato de ele gostar de tornar as pessoas
feias?
-
Isso as chateava?
-
Algumas vezes sim.
-
Muitas vezes foi quase um privilégio
-
ser pintada e retratada por Dix
-
dessa forma particularmente feia.
-
Uma ou duas modelos tiveram problemas
com isso.
-
Ele era comissionado pelas modelos
-
porque era muito conhecido,
-
e nesse ponto em 1926 ele é muito
conhecido
-
pelo seu estilo de
pintura.
-
Antes disso, alguns de seus clientes
-
mais ricos não gostavam
-
da forma como eram retratados.
-
Sylvia von Harden, até onde sei,
-
adorou essa pintura.
-
Até posou com ela.
-
Está no Centro Pompidou agora.
-
Nos anos 60 ela posou e foi fotografada
-
na frente do retrato.
-
Você pode ver mesmo naquela altura que ela
-
ainda se parece um pouco com a figura.
-
Acho que é um grande retrato.
-
Eu também.
-
(Música estilo jazz)
-
[Legendado por Pedro Mota Byrro]
-
[Revisado por Tiago Lemes Palhano Bodin]