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Nem tudo que se estruturou
como a linguagem audiovisual,
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a história do cinema,
surgiu do cinema.
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Como nós já vimos,
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muito do que nós aprendemos a trabalhar
no cinema veio do teatro.
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Então, você tem essa construção
das primeiras encenações,
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das primeiras dramatizações,
a pantomima que vem do teatro,
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e todos os outros elementos
de linguagem que foram surgindo
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para chegar no que nós temos hoje
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também vieram de outras
vanguardas artísticas.
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Vanguardas artísticas que trabalhavam
a pintura, a literatura, as artes visuais,
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e todo esse processo que veio
culminar no cinema.
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Essas vanguardas artísticas surgiram
no começo do século XX
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junto com essa efervescência
que o século trouxe,
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com a evolução tecnológica, com
o desenvolvimento das sociedades,
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e todas essas estruturas e propostas
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que os artistas também
desenvolveram em suas obras.
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Então, é natural dizermos que todas
as vanguardas artísticas
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que estavam acontecendo
em outras esferas,
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também influenciaram o cinema
de uma forma direta e objetiva.
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Voltando para o "Griffith", por exemplo,
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ele é um diretor que trabalhou
e se constituiu como diretor de cinema,
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mas ele não surgiu como
diretor de cinema,
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ele foi ator de algumas outras obras
de outros realizadores menores
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antes de ele assumir
esse papel importante.
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Você pega as vanguardas artísticas
do começo do século, os próprios russos,
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nós vamos falar um pouco
da vanguarda russa
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porque ela é primordial para a estrutura
de montagem que nós temos hoje.
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Em 1910 mais ou menos, 1917,
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Kuleshov, que é um estudioso russo,
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percebeu que o plano,
a estrutura visual
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funciona como se fosse um tijolo,
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uma estrutura de construção
de entendimento
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a partir da escolha do que você
decide mostrar.
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E a relação que essas informações
se constroem na nossa cabeça,
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não pela aquela informação
que você mostrou visualmente,
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mas pela relação simbólica e a ideia
que você constrói entre um plano e outro
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que nem sempre está na imagem,
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mas sim na forma como os nossos
cérebros constroem esse entendimento.
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Essa informação ficou conhecida
como "Efeito Kuleshov".
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O "Efeito Kuleshov" parte
do seguinte princípio,
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você tem uma informação que traz
a sua ideia e seus significados,
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e você vai ter uma segunda informação
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que também traz as suas
ideias e significados
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que não necessariamente
trabalham na mesma estrutura.
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Quando você escolhe colocar
o plano A e depois o plano B,
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você carrega essas informações
com uma série de significados e ideias
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que o seu espectador vai entender e vai
interpretar a partir da junção entre eles.
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O "Efeito Kuleshov" surge com a ideia
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de que você vai construir o entendimento
do seu espectador,
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não na imagem que você mostra,
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e sim no significado e na ideia
que duas imagens distintas,
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quando colocadas uma depois da outra,
criam na cabeça da pessoa.
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Então ele fez o experimento
mostrando um rosto,
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imagina um rosto impassível,
efeito Monalisa,
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não tem aquele sorriso, não tem nada,
você tem só o rosto.
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O fato de você mostrar esse rosto,
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e em seguida, você mostrar um prato
de comida vazio e voltar para o rosto,
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as pessoas criavam a sensação de que
aquela pessoa estava com fome,
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ela estava triste porque
ela não tinha o que comer.
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Se você pegasse o mesmo rosto
e colocasse um buquê de flores
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e depois voltasse para esse rosto,
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as pessoas tinham a ideia
de que aquela pessoa estava feliz,
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porque ela ganhou aquele vaso,
aquelas flores, aquele buquê,
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então você trabalhava uma outra
relação, uma outra sensação.
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E o Lev Kuleshov fez isso com
uma série de outras informações
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que hoje, inclusive, dá a base para
o que chamamos de montagem ideológica,
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porque ela parte desse princípio
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de como que você trabalha
a junção de imagens
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que não necessariamente
têm o mesmo significado,
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mas trabalham essas construções,
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essas representações de ideia
na cabeça das pessoas.
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Além do Kuleshov, nós vamos
ter outros diretores russos
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que vão trabalhar essa estrutura
mais construtivista do plano.
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Serguei Eisenstein, que é um
dos grandes diretores
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também dessa época
contemporânea do Kuleshov,
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vai trabalhar muito bem essa relação
do "Efeito Kuleshov" nos seus filmes,
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como "A greve", "O Encouraçado Potemkin"
e "Outubro",
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que é um filme que ele vai falar
da Revolução Russa, que aconteceu,
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em meados de 1917,
quando o Czar é deposto.
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Essa construção do "Efeito Kuleshov"
é muito interessante,
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principalmente nessa
cena do filme "Outubro",
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porque tem um momento que o diretor
vai querer mostrar o Czar,
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ele como sendo aquela figura importante
de estado que vai ser deposto,
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e justamente porque ele está
fazendo uma crítica ao Czar,
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ele vai fazer uma analogia a um pavão.
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Então, ele vai mostrar a figura,
o ser humano, o Czar aparecendo,
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de repente ele vai cortar para uma
outra imagem para mostrar um pavão,
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um pavão abrindo as suas penas
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e se mostrando daquela forma
mais luxuosa e visual possível,
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depois ele corta de novo para o Czar
e depois de novo para o pavão.
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Se você ver essa cena,
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você percebe que ele
está criando uma analogia
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não só sobre essa construção
vistosa do pavão,
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mas também de todo o significado
que esse animal traz.
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Quando você fala de um chefe de estado,
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você sempre vai criar uma relação
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com aquelas figuras, aqueles animais
que trazem esse poder, essa imponência,
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então, você vai criar uma relação
com um tubarão, com um urso, com um leão,
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com essas figuras que são consideradas
o topo da cadeia alimentar
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e que realmente representam
essa construção,
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essa ostentação de poder.
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Um pavão não traz isso,
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um pavão é um ser
que vive das aparências,
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ele é um ser fraco, que só tem ali
aquela cauda vistosa para mostrar,
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mas se você colocá-lo em um confronto
com qualquer outro animal
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dentro dessa estrutura
da cadeia alimentar,
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você percebe que ele
vai perder muito feio.
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Então, quando o diretor Eisenstein
coloca o pavão e o Czar no mesmo patamar,
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ele está transferindo essas informações
do pavão para o Czar,
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dizendo que ele é uma figura
só de aparências,
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que ele é uma figura fraca,
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que ele não tem esse poder,
essa imponência
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que um chefe de estado precisava ter.
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Mais para frente no filme,
quando ele nos mostra
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que o Czar foi deposto
e que vai acontecer a revolução,
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ele não vai mostrar o Czar,
ele vai mostrar o pavão
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e ele vai mostrar o pavão com
o pescoço quebrado e caído.
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Então, nessa analogia,
nessa construção
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que foi feita a partir dos experimentos
do "Efeito Kuleshov",
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nós conseguimos entender
dentro da narrativa
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que naquele momento não é o pavão
que está morto, mas sim o Czar,
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ele foi deposto justamente
na figura que foi colocada ali.
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E é essa estrutura de montagem em conjunto
com outras vanguardas artísticas,
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com o passar do tempo,
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vai construindo
essas referências visuais
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e essa relação do que vai
se tornar o audiovisual.
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Os russos, quando você pensa nessa
estrutura construtivista da montagem,
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vão ter um papel muito importante.
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Além dos russos, nós vamos
ter os franceses
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tendo um outro papel importante,
quando você pensa na estrutura narrativa
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a partir do impressionismo francês
e do surrealismo francês.
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Vai ser um diretor como o Luis Buñuel,
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que vai trabalhar com um artista
como Salvador Dalí,
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que vai trazer essa relação das metáforas,
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essa relação do abstrato que se constrói
nas obras de arte para o cinema,
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de uma forma que nós conseguimos
trabalhar ideias, sensações,
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pensamentos e até ilusões
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que acontecem na nossa
cabeça de uma forma visual.
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Dalí, junto com o Buñuel,
vai trazer metáforas,
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por exemplo, com uma mão formigando.
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Como que você constrói às vezes
uma sensação física,
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uma sensação que é tão interna
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e traz para a tela de uma
forma que seja interessante?
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Então, esses primeiros experimentos,
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as primeiras construções de história
a partir do surrealismo,
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que vão trazer essas relações de imagem,
ilusão, pensamento, ideias para a tela.
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Quando você tem o personagem
que imagina as coisas,
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ele nos mostra o que o personagem está
imaginando a partir desses experimentos,
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e vai ser o surrealismo
que vai trazer essas relações,
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a possibilidade de você trabalhar
ideias, críticas e outras histórias
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a partir de metáforas,
a partir de discussões visuais
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daquela situação que a sociedade
está vivendo naquele momento,
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naquele ponto específico
do tempo e da história.
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Outra vanguarda que vai ter
um papel muito importante
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é o expressionismo alemão.
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Expressionismo alemão justamente
nesses primeiros 20 anos do século XX,
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ele vai ter um papel transformador
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quando nós falamos na construção
da direção de arte.
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A Alemanha acabou de sair
da Primeira Guerra Mundial
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como sendo um país
que perdeu a guerra,
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e essa perda é demonstrada
inclusive na forma como o país faliu.
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Então, as pessoas, os alemães
naquela época,
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se sentem perdidos,
desorientados,
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eles estão tristes, existe uma
depressão na sociedade.
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E aí os artistas visuais
do expressionismo alemão
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vão conseguir trazer isso para
a literatura, para as artes plásticas,
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esse sentimento, essa revolta
que os alemães estão sentindo na época.
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E os diretores Murnau, Fritz Lang
e vários outros diretores dessa época
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vão conseguir trazer para as telas
essa mesma sensação.
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Então nós temos
"O Gabinete do Dr. Caligari"
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como sendo um dos principais filmes
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que vai abrir o expressionismo alemão
nesse segmento cinematográfico.
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Nós vamos ter "Nosferatu",
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que é um filme que vai trabalhar
essa relação do vampiro.
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Nós vamos ter o Fritz Lang
trazendo um papel
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que não deixa de trabalhar essa
construção mais depressiva da época,
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mas com uma construção
mais futurista também,
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quando ele vai fazer o "Metrópolis".
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"Metrópolis" é um filme tão importante
para o audiovisual que ele vai ser base
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para a maioria dos filmes que
se fala de robô nos dias de hoje.
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E é um filme que se passa no século,
no século não, desculpa,
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se passa nos anos 1920.
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O diretor é dos anos 1920,
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e estamos falando de uma época
que não tem uma tecnologia
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para poder fazer o robô,
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mas ele consegue construir
um replicante,
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ele consegue fazer essas construções
visuais muito legais.
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E vão ser essas vanguardas que vão
implementar esses olhares, essas visões,
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essas discussões que estão acontecendo
na sociedade naquele momento,
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que vão se transformar
em elementos de linguagem,
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que vão construir o audiovisual.
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O expressionismo alemão vai
ser muito importante
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na construção do exagero,
da dramaticidade e da atuação,
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mas também nos figurinos,
nos cenários,
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na construção do claro e escuro,
nos contrastes de luz
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que hoje, quando você pega um filme
mais dramático, um melodrama,
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praticamente é a base do que foi
o expressionismo alemão naquela época.
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Tim Burton é um diretor que trabalha muito
o que foi o expressionismo alemão,
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ele é considerado hoje, inclusive,
um dos herdeiros do que foi essa vanguarda,
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pela forma como ele trabalha
essa construção estética nos seus filmes,
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e ele está usando realmente
essas referências lá do começo.
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O diretor chamado Almodóvar,
é um diretor espanhol,
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David Lynch,
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são diretores que hoje
trabalham o realismo fantástico
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em termos de narrativa,
não em termos visuais,
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mas em termos narrativos,
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em contar histórias
de um jeito diferente,
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que remete muito ao que foi o surrealismo
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no começo do século XX.
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Pensando justamente como
que você vai trabalhar
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formas diferentes, histórias diferentes,
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a partir dessas construções visuais,
essas construções artísticas.
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Hoje os russos servem
de referência
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para muitas montagens
que nós fazemos,
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levando em consideração às vezes
a estrutura do videoclipe,
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quando você pensa nos cortes, no ritmo,
na construção do plano,
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na estética como você usa a montagem
para contar uma história,
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é muito importante nesse sentido.
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Então, as vanguardas
foram muito importantes,
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não só pela sua estrutura histórica,
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mas também pela forma
como elas influenciaram,
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inclusive em um espaço
muito curto de tempo,
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as produções que vieram depois.
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Porque todas essas vanguardas
aconteceram na Europa
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durante o momento em que a Europa estava
passando por uma mudança cultural,
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social e econômica muito importante.
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E essas mudanças acabaram
chegando nas Américas
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e elas foram a base para a construção
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de um dos pilares da indústria que
nós temos até hoje, que é Hollywood.
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Então, se não fossem
as vanguardas artísticas,
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Hollywood não teria existido.