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David Goldblatt em "Johannesburg" - Temporada 9 - "Arte no Século Vinte e Um" | Art21

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    (David Goldblatt): A câmera é
    um instrumento muito estranho.
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    Demanda, primeiramente,
    que você veja coerentemente,
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    ela te permite entrar em mundos,
    lugares, e associações,
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    que de outra forma seria muito difícil.
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    Ser fotógrafo é realmente maravilhoso.
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    Não estou preso a lugar nenhum.
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    Posso ir e voltar como quiser.
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    É maravilhoso.
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    Meus anos de infância em Johannesburg
    foram muito felizes.
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    Aproveitamos uma enorme liberdade.
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    Andávamos de bicicleta pelo
    Randfontein Estates,
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    que era a mina de ouro
    que rodeava a cidade,
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    e podíamos explorar bastante as minas.
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    É uma paisagem brutal, bem vazia, sombria,
    não temos um mar, não temos um grande rio.
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    Só tínhamos esses espaços
    tediosos e desinteressantes.
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    Acho que tinha uma espécie de osmose
    acontecendo dentro de mim.
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    Eu me tornei organicamente
    relacionado ao lugar.
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    Por um lado,
    eu quero fotografar a paisagem.
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    "Paisagem", num sentido bem amplo.
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    De outro lado, sou fascinado por nossas
    estruturas como declarações de valor.
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    Cheguei tarde demais para essa foto,
    as árvores já estão cheias.
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    Mas vou tentar, vamos dar uma olhada.
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    Me parece que o tipo de arquitetura
    emergente no norte de Johannesburg,
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    é um tipo de materialismo agressivo.
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    - Bom dia, senhores!
    - Olá!
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    Como estão?
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    Neste país, quase que por causa da nudez,
    das lutas entre o preto e o branco,
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    as estruturas que surgiram foram
    incrivelmente claras
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    demonstrações de sistemas de valor.
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    Igrejas Africanas Protestantes brancas
    são das quais eu penso em particular.
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    Suas igrejas tinham enormes janelas,
    e uma estrutura megafônica,
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    com a chegada dos anos 1970, as forças
    de liberação chegam à África do Sul,
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    colidindo mais e mais com os africanos.
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    Logo, suas novas igrejas viram defensivas.
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    Pouquíssimas delas foram construídas com
    detalhes afiados nas paredes externas.
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    Estruturas públicas viram
    claras manifestações da imagem própria.
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    Olha ali, olha, esse prédio enorme,
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    mas, ao menos, tem uma certa
    quantidade de movimento.
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    Esta é uma Hasselblad.
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    Uma caixa famosa, muito cara,
    maravilhosamente construída.
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    Meu irmão Dan voltava sempre de viagem
    e me trazia pequenas câmeras de miniatura.
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    Ele trouxe de uma de suas viagens,
    uma câmera Contax.
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    A Contax era equivalente a Leica da Zeiss.
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    Era uma ótima câmera, mas esta particular
    havia sido severamente danificada.
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    Não sei sua história durante a guerra, mas
    quando eventualmente chegou a Randfontein,
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    já era uma câmera bem doente, mas
    tentei fazer fotografias com ela.
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    Quando me matriculei em 1948,
    eu certamente tinha
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    um grande desejo
    de ser fotógrafo de revista.
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    “Life” e “Look" dos Estados Unidos,
    "Picture Post” da Inglaterra,
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    eram a janela do mundo para milhares.
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    Em 1952, o governo do apartheid
    começava a pressionar sua ideologia
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    e uma das primeiras etapas era separar
    as raças em comodidades públicas.
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    Eu fiz uma curta tira de filme de um
    homem negro subindo uma escada,
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    depois sendo rejeitado,
    por um policial negro.
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    Ele tinha costume de fazer essa rota
    pela estação ferroviária de Johannesburg,
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    e de repente ele não era mais permitido.
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    Então enviei essas fotos
    para o "Picture Post", para o editor.
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    Fui educadamente rejeitado.
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    Tentei fazer uma história sobre
    os homens que trabalhavam
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    acima dos depósitos das minas
    da nossa cidade.
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    Esses homens trabalhavam o ano todo,
    todos os dias e noites,
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    não importava a condição, lidando com
    os restos da operação de fresagem.
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    Estávamos sujeitando esses homens
    à uma existência terrível.
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    Fazia frio de congelar durante o inverno
    acima dos depósitos.
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    Ali tem um velho depósito.
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    Foi coberto de grama para
    manter a poeira baixa.
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    Mineradores negros não podiam
    subir além do nível
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    do que chamavam de "garotos chefes",
    ou líderes de equipe.
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    É claro que eram homens, não garotos.
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    Para subir além desse nível, precisavam
    de um certificado de detonação,
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    e isso era um método usado
    pelas uniões brancas de troca,
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    para garantir que apenas brancos estariam
    nos escalões superiores da hierarquia.
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    Ao olhar para essa sociedade,
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    você tinha que entender a natureza
    da ideologia e vida do africânder branco.
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    Os africânderes descenderam
    dos Huguenotes holandeses e franceses,
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    e dos primeiros colonos alemães
    e escoceses que o país teve.
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    Mesmo pequeno, esse grupo determinou
    muito do que ocorreu aqui.
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    Para eles, a conquista das tribos que
    encontraram foi guiada por Deus, inefável.
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    Isso virou algo que tive de lidar, uma vez
    que eu via tudo isso de uma forma inédita.
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    Nos anos 1930, o movimento de direita
    africâner conhecido como "Ossewabrandwag",
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    era anti-judeu.
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    Assim como muitos dos meus amigos judeus,
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    eu tinha medo dos africâneres
    desde a infância.
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    e ainda sim, senti a necessidade
    de explorar isso.
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    Esse povo realmente me absorveu.
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    Me assustaram em seu profundo medo
    das pessoas negras,
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    e ao mesmo tempo,
    sua tranquilidade com elas.
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    Eu estava fotografando um casal de idosos,
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    e uma garotinha negra entrou na sala,
    chupando seu dedo,
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    e apenas ficou ali em pé,
    me vendo trabalhar.
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    E não disseram uma palavra à ela, não
    fizeram objeção, nem a mandaram embora.
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    Simplesmente aceitaram que ela veio
    e estava ali.
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    Uma resposta comum dos editores
    em potencial era "onde está o Apartheid?"
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    Para mim, está enraizado, bem fundo,
    na granulação dessas fotos.
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    Pessoas de outros lugares não entendiam
    essas extremas contradições na nossa vida.
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    E eu não estava interessado
    em tentar explicar essas coisas à elas.
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    Estamos indo para o centro de Boksburg.
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    Fotografei aqui no inverno de 1979,
    e novamente em 1980.
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    Ao invés de viajar o país e fotografar
    os brancos em geral,
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    queria concentrar em uma comunidade
    e considerá-la um microcosmo
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    da vida de classe média branca
    na Africa do Sul, e foi o que fiz.
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    Essa cidade inteira era reservada
    aos brancos.
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    Negros só viriam aqui se tivessem um
    certo documento, um passe.
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    Comecei a observar o povo esperando
    pelo semáforo para atravessar.
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    E percebi o quanto eles nos expõem.
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    Na esquina da Comissioner com a Eloff,
    temos que subir mais um quarteirão.
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    Essa foto foi tirada de onde estou agora,
    daquela loja ali.
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    E provavelmente eu estava aqui,
    quando tirei esta foto.
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    Estava animado com essa luz de inverno,
    bem afiada, com pouco ângulo.
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    Esses prédios baixos eram a quintessência
    do mundo que conheci e cresci.
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    Não há nada distinto sobre eles.
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    Eu acho que não há uma foto
    sequer nessa coleção,
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    em que os sujeitos olham
    para a câmera ou para mim.
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    Eu queria desaparecer da equação.
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    Em Soweto e Hillbrow, as fotos
    eram encontros entre eu e os sujeitos,
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    Ao invés de tentar fotografar a vida
    como um processo contínuo,
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    escolhi fotografar as pessoas como eram,
    de maneira formal.
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    E sempre insisti que o sujeito olhasse
    para mim, e não para a câmera.
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    Fotografando esses retratos,
    passei a reparar
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    nos corpos das pessoas
    de uma forma bem enfática.
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    Braços e membros, peitorais, quadris,
    pescoços, detalhes.
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    Aqui tem uma gaveta só de fotos 4x5.
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    Com minha morte, meus negativos,
    impressões de contato,
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    e impressões de trabalho,
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    iriam para a Universidade
    da Cidade do Cabo, onde,
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    haviam estabelecido uma instalação
    de arquivos com esse propósito.
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    Mas após os estudantes queimarem pinturas
    e algumas das fotos da galeria de arte,
  • 12:00 - 12:04
    a Universidade criou um comitê de
    acadêmicos e de estudantes
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    para examinar cada peça de arte,
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    com intuito de decidir de cobrir ou
    retirar qualquer peça artística
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    que considerassem potencialmente ofensivas
    aos estudantes negros.
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    Bem, não posso aceitar
    esse tipo de avaliação
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    e interferência na liberdade de expressão.
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    Se há peças da coleção que, de repente,
    causam desconforto nas pessoas,
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    então vamos as exibir. Criar debates.
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    Eu vejo meu trabalho como uma coisa
    que não permito que se comprometa,
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    e o comprometo todos os dias,
    apenas por respirar neste país.
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    Mas hoje, sob uma democracia,
    me recuso a ser cúmplice.
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    Eu cancelei meu contrato.
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    E minhas coisas não irão para
    a Universidade da Cidade do Cabo.
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    Acho que nunca estive
    entediado com a fotografia.
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    Às vezes estive extremamente frustrado,
    - Aah, [bipe].
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    enojado,
    - Olha isso, olha isso.
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    mas é um processo que absorve a vida.
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    E me absorve completamente.
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    Já mudei de ideia sobre fotos depois de
    25 ou 30 anos de ter as tirado.
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    O meu problema é que já não tenho
    25 nem 30 anos pra me decidir mais.
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    Tenho que me decidir muito antes.
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    Eu estava fotografando as minas de ouro,
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    e eu vi um reflexo de mim mesmo.
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    E então eu tirei.
Title:
David Goldblatt em "Johannesburg" - Temporada 9 - "Arte no Século Vinte e Um" | Art21
Description:

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Video Language:
English
Team:
Art21
Project:
"Art in the Twenty-First Century" broadcast series
Duration:
15:00

Portuguese, Brazilian subtitles

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