Quais os alimentos de que os vossos antepassados gostavam?
-
0:00 - 0:05No ano passado, eu estava a viver
com uma família nativa na Índia. -
0:07 - 0:08Uma tarde,
-
0:08 - 0:11o filho mais novo estava a comer,
-
0:11 - 0:16e, ao ver-me, escondeu rapidamente
o caril atrás das costas. -
0:17 - 0:21Tive dificuldade em convencê-lo
a mostrar-me o que estava a comer. -
0:22 - 0:25Eram larvas de mariposa,
-
0:25 - 0:29uma iguaria tradicional
dos indígenas Madia. -
0:29 - 0:31Eu dei um grito:
-
0:31 - 0:33"Meu Deus, estás a comer isso?
-
0:33 - 0:36"Espero que haja um pouco para mim!"
-
0:36 - 0:39Eu vi a descrença nos olhos do miúdo.
-
0:39 - 0:41"Tu... comes isto?"
-
0:42 - 0:45"Eu adoro isso," respondi.
-
0:47 - 0:50Via que ele não tinha acreditado.
-
0:51 - 0:55Como é que uma mulher urbana e educada
podia gostar da mesma comida que ele? -
0:57 - 1:00Mais tarde, toquei
no assunto com o pai dele. -
1:00 - 1:03Era um assunto delicado.
-
1:05 - 1:07Ele disse coisas como:
-
1:07 - 1:10"Oh, só esse meu filho
é que gosta de comer isso. -
1:10 - 1:13"Nós bem lhe dizemos:
'Não comas isso. É mau.' -
1:13 - 1:15"Mas ele não liga.
-
1:15 - 1:18"Nós deixámos de comer isso
há muito tempo." -
1:20 - 1:22"Porquê?" perguntei.
-
1:23 - 1:25"Esta é a vossa comida tradicional.
-
1:26 - 1:29"Está disponível no vosso ambiente
-
1:29 - 1:30"e é nutritiva,
-
1:30 - 1:33"e — posso atestar — é deliciosa.
-
1:34 - 1:36"Qual é o problema em comê-la?"
-
1:37 - 1:39O homem calou-se.
-
1:39 - 1:41E eu perguntei:
-
1:41 - 1:45"Alguém vos disse que esta comida era má?
-
1:45 - 1:48"Que comê-la era sinal de atraso?
-
1:48 - 1:50"Que não era civilizado?"
-
1:52 - 1:54Ele concordou silenciosamente.
-
1:55 - 2:01Esta foi uma das muitas vezes
no meu trabalho com os indianos -
2:01 - 2:04que testemunhei a vergonha
em volta dos alimentos. -
2:05 - 2:08A vergonha de que gostamos de comer
-
2:08 - 2:11os alimentos que têm sido comidos
durante gerações, -
2:11 - 2:13e que, de certa maneira, são inferiores
-
2:13 - 2:15e até sub-humanos.
-
2:16 - 2:21Esta vergonha não se limita
às comidas bizarras ou nojentas -
2:21 - 2:24como insetos ou ratos,
-
2:24 - 2:27mas também a alimentos comuns:
-
2:27 - 2:29vegetais brancos,
-
2:29 - 2:32cogumelos, flores,
-
2:32 - 2:36basicamente, tudo o que é apanhado
na Natureza, em vez de cultivado. -
2:37 - 2:41Na Índia nativa,
a vergonha é omnipresente. -
2:42 - 2:44Qualquer coisa pode despertá-la.
-
2:44 - 2:49Um professor vegetariano de casta
superior é nomeado para uma escola, -
2:49 - 2:54e, ao fim de semanas, as crianças
estão a dizer aos pais -
2:54 - 2:56que é nojento comer caranguejo
ou é pecado comer carne. -
2:56 - 3:00Um programa de nutrição do governo
serve arroz branco bem solto, -
3:00 - 3:04agora já ninguém quer
arroz vermelho ou painço. -
3:04 - 3:09Uma ONG chega à cidade com
uma tabela nutricional para grávidas. -
3:09 - 3:11Aí pronto.
-
3:11 - 3:13Todas as grávidas ficam tristes
-
3:13 - 3:16por não poderem pagar maçãs e crepes.
-
3:16 - 3:19E as pessoas esquecem-se das frutas
-
3:19 - 3:22que podem ser colhidas
no chão da floresta. -
3:23 - 3:24Os trabalhadores da saúde,
-
3:25 - 3:27os missionários religiosos,
-
3:27 - 3:30quaisquer trabalhadores do governo
-
3:30 - 3:33e até os seus filhos instruídos
-
3:33 - 3:37estão a pregar aos indígenas
-
3:37 - 3:41que a comida deles
não é bastante boa, -
3:41 - 3:43não é bastante civilizada.
-
3:43 - 3:46Assim, esses alimentos desaparecem,
-
3:47 - 3:49pouco a pouco.
-
3:50 - 3:54Pergunto-me se vocês já pensaram
-
3:54 - 3:58se as vossas comunidades terão tido
uma história parecida sobre os alimentos. -
3:59 - 4:03Se vocês falassem
com a vossa avó de 90 anos, -
4:04 - 4:08ela falaria de alimentos de que vocês
nunca viram ou ouviram falar? -
4:09 - 4:12Vocês têm a noção de quantos
dos alimentos da vossa comunidade -
4:12 - 4:14já não estão disponíveis para vocês?
-
4:15 - 4:17Os especialistas locais dizem-me
-
4:17 - 4:19que a economia alimentar sul-africana
-
4:19 - 4:23é hoje totalmente baseada
em produtos importados. -
4:23 - 4:26O milho tornou-se o alimento básico,
-
4:26 - 4:31enquanto o sorgo, o painço,
os bolbos e os tubérculos desapareceram. -
4:32 - 4:35Assim como os legumes
e os vegetais silvestres, -
4:35 - 4:39enquanto a população come batatas
e cebolas, repolhos e cenouras. -
4:40 - 4:42No meu país,
-
4:42 - 4:45esta perda de alimentos é colossal.
-
4:45 - 4:49A Índia moderna está presa
ao arroz, ao trigo -
4:49 - 4:51e à diabetes.
-
4:52 - 4:57Esquecemos totalmente alguns alimentos,
como uma enorme variedade de tubérculos, -
4:57 - 5:01a seiva de árvores, peixe, mariscos,
-
5:01 - 5:03óleo de sementes,
-
5:03 - 5:07moluscos, cogumelos, insetos,
-
5:07 - 5:10carne de pequenos animais não ameaçados,
-
5:10 - 5:15tudo o que estava disponível
à nossa volta. -
5:16 - 5:18Para onde foi essa comida?
-
5:19 - 5:22Porque é que o moderno cabaz
de alimentos é tão limitado? -
5:23 - 5:29Podíamos falar da política económica
complexa e das razões ecológicas, -
5:29 - 5:34mas estou aqui para falar sobre
o fenómeno humano da vergonha, -
5:35 - 5:38porque a vergonha é a questão principal
-
5:38 - 5:42do motivo de a comida estar
a desaparecer dos vossos pratos. -
5:43 - 5:45O que é que a vergonha faz?
-
5:46 - 5:49A vergonha diminui-nos,
-
5:49 - 5:50entristece-nos,
-
5:50 - 5:51desvaloriza-nos,
-
5:51 - 5:53inferioriza-nos.
-
5:54 - 5:58A vergonha cria uma dissonância cognitiva.
-
5:58 - 6:00Distorce as histórias dos alimentos.
-
6:01 - 6:03Vamos ver um exemplo.
-
6:04 - 6:06Gostavam de ter
-
6:07 - 6:09um alimento básico
maravilhoso e versátil -
6:10 - 6:13disponível abundantemente
no vosso ambiente? -
6:13 - 6:15Basta-vos colhê-lo
-
6:15 - 6:18secá-lo, guardá-lo
-
6:18 - 6:20e tê-lo-ão durante todo o ano
-
6:20 - 6:24para cozinhá-lo das mais variadas
maneiras e pratos que preferirmos. -
6:25 - 6:29A Índia tinha este alimento,
chamado "mahua," -
6:29 - 6:30aquela planta ali.
-
6:31 - 6:35Tenho investigado este alimento
nos últimos três anos. -
6:36 - 6:40É conhecido por ser altamente
nutritivo na tradição indígena -
6:40 - 6:43e no conhecimento científico.
-
6:43 - 6:45Para os indígenas,
-
6:45 - 6:50é usado como alimento básico
durante seis meses a um ano. -
6:51 - 6:54De muitas maneiras,
assemelha-se à marula local. -
6:54 - 6:58Só que, em vez de ser um fruto,
é uma flor. -
6:58 - 7:00Onde as florestas são ricas,
-
7:00 - 7:04as pessoas ainda conseguem
o suficiente para comer o ano inteiro -
7:04 - 7:06e o suficiente para vender.
-
7:06 - 7:11Descobri 35 pratos diferentes com "mahua"
-
7:11 - 7:14que já ninguém prepara.
-
7:15 - 7:20Este alimento já nem é reconhecido
como alimento, -
7:20 - 7:23apenas como matéria prima
para uma bebida alcoólica. -
7:23 - 7:26Podemos ser presos
por o termos em casa. -
7:26 - 7:29Qual a razão? Vergonha.
-
7:29 - 7:33Conversei com indígenas
por toda a Índia -
7:33 - 7:36sobre qual a razão de a "mahua"
já não ser consumida. -
7:36 - 7:39E recebi sempre a mesma resposta.
-
7:39 - 7:43"Oh, nós costumávamos comer
quando éramos pobres e famintos -
7:43 - 7:46"Porque é que havíamos
de a comer agora? -
7:46 - 7:48"Temos arroz ou trigo."
-
7:49 - 7:51E quase no mesmo fôlego,
-
7:51 - 7:54as pessoas também me disseram
quão nutritivo a "mahua" é. -
7:55 - 7:59Há sempre uma história dos antigos
que costumavam comer "mahua". -
7:59 - 8:03"Esta nossa avó, teve 10 filhos.
-
8:04 - 8:08"Trabalhava muito,
nunca estava cansada, nem doente." -
8:09 - 8:14A mesma narrativa paralela
por todo o lado. -
8:15 - 8:16Como pode?
-
8:16 - 8:19Como é que o mesmo alimento
-
8:19 - 8:24pode ser tão nutritivo
e uma comida de pobres, -
8:24 - 8:26quase na mesma frase?
-
8:27 - 8:30O mesmo acontece com outros
alimentos silvestres. -
8:30 - 8:33Escutei histórias dilacerantes
uma atrás das outras -
8:33 - 8:35de fome e de inanição,
-
8:36 - 8:40de pessoas que sobreviviam
do lixo que apanhavam na floresta, -
8:40 - 8:43porque não havia alimentos.
-
8:43 - 8:45Se eu investigasse um pouco mais,
-
8:45 - 8:49veria que não havia falta de comida,
-
8:49 - 8:52mas de uma coisa respeitável como o arroz.
-
8:52 - 8:54Perguntei-lhes:
-
8:54 - 8:58"Como é que aprenderam que aquilo
a que chamam lixo era comestível? -
8:59 - 9:04"Quem vos disse que alguns tubérculos
amargos podiam ser adoçados -
9:04 - 9:07"ao serem deixados de molho
num riacho durante a noite? -
9:07 - 9:10"Ou como tirar a carne
da concha do caracol? -
9:10 - 9:13"Ou como montar uma armadilha
para ratos selvagens?" -
9:14 - 9:17Aí eles começam a coçar a cabeça,
-
9:17 - 9:21e a perceber que aprenderam
com os mais velhos, -
9:21 - 9:25que os seus antepassados
viveram e tiveram êxito -
9:25 - 9:27com esses alimentos
durante séculos -
9:27 - 9:30antes de o arroz chegar,
-
9:30 - 9:33e eram muito mais saudáveis
do que a sua geração. -
9:34 - 9:37É assim que a comida funciona,
-
9:38 - 9:40que a vergonha funciona:
-
9:40 - 9:42fazendo com que a comida
e a tradição alimentar -
9:42 - 9:46desapareçam da memória
e da vida das pessoas -
9:46 - 9:48sem que elas percebam.
-
9:50 - 9:53Como desfazemos esta tendência?
-
9:54 - 10:00Como retomaremos o nosso lindo
e complexo sistema de comida natural, -
10:01 - 10:06a comida oferecida pela amorosa Mãe Terra
de acordo com o seu ritmo, -
10:07 - 10:11a comida preparada pelos nossos
antepassados com alegria -
10:11 - 10:14e consumida por eles com gratidão,
-
10:15 - 10:19a comida que é saudável, local, natural,
-
10:20 - 10:22variada, deliciosa,
-
10:22 - 10:25que não requer cultivo,
-
10:25 - 10:27que não prejudica o ecossistema,
-
10:28 - 10:30e que não custa nada?
-
10:30 - 10:32Todos precisamos desta comida,
-
10:32 - 10:35e eu não preciso de dizer porquê.
-
10:36 - 10:40Não preciso de falar na crise
de saúde mundial, -
10:40 - 10:43na alteração climática,
na crise global da água, -
10:43 - 10:44na fadiga do solo,
-
10:44 - 10:46no colapso dos sistemas de agricultura,
-
10:46 - 10:47nisso tudo.
-
10:48 - 10:52Mas para mim, as razões
por que precisamos destas comidas -
10:52 - 10:55são as que sentimos profundamente,
-
10:55 - 10:58porque a comida é muitas coisas.
-
10:58 - 11:02A comida é nutrição, é conforto,
-
11:02 - 11:05é criatividade, é comunidade,
-
11:05 - 11:09é prazer, segurança, identidade
-
11:09 - 11:10e muito mais.
-
11:11 - 11:13A forma como nos ligamos
com a nossa comida -
11:13 - 11:15define muita coisa na nossa vida.
-
11:16 - 11:18Define como nos conectamos
com o nosso corpo, -
11:19 - 11:22porque o nosso corpo
é basicamente comida. -
11:22 - 11:25Define o nosso sentimento
básico de conexão -
11:26 - 11:28com a nossa existência.
-
11:28 - 11:32Cada vez precisamos mais destas comidas
-
11:32 - 11:35para podermos redefinir
os nossos espaços como pessoas -
11:35 - 11:38dentro do esquema natural das coisas.
-
11:39 - 11:42E precisamos de tamanha redefinição hoje?
-
11:44 - 11:48Para mim, a única resposta é amor,
-
11:49 - 11:54porque amor é a única coisa
que contraria a vergonha. -
11:56 - 12:00Como traremos mais deste amor
para as nossas conexões com a comida? -
12:02 - 12:06Para mim, o amor é, em grande parte,
-
12:06 - 12:10sobre a predisposição de abrandar,
-
12:11 - 12:14de reservar um tempo para sentir,
-
12:14 - 12:19de perceber, ouvir, questionar.
-
12:20 - 12:22Pode ser escutar o nosso corpo.
-
12:23 - 12:29O que é que ele precisa
para além dos nossos hábitos alimentares, -
12:29 - 12:31crenças e maus hábitos?
-
12:32 - 12:36Pode ser tirarmos um tempo
para examinarmos essas crenças. -
12:37 - 12:39De onde é que elas vieram?
-
12:40 - 12:42Podem ter vindo da nossa infância.
-
12:43 - 12:45Quais as comidas de que gostávamos,
-
12:46 - 12:47e o que é que mudou?
-
12:48 - 12:53Pode ser passar uma noite tranquila
com um idoso, -
12:53 - 12:56ouvindo as suas memórias alimentares,
-
12:56 - 12:59talvez até ajudando-o a preparar
algo de que ele goste -
12:59 - 13:01e partilhando uma refeição.
-
13:02 - 13:06O amor pode ser algo sobre recordar
-
13:06 - 13:08que a humanidade é vasta
-
13:08 - 13:11e as escolhas alimentares são diferentes.
-
13:11 - 13:14Pode ser sobre mostrar
respeito e curiosidade -
13:15 - 13:17em vez de censura
-
13:17 - 13:20quando vemos alguém a apreciar
um alimento pouco conhecido. -
13:22 - 13:26O amor pode ser arranjar tempo
para questionar, -
13:27 - 13:28desenterrar informações,
-
13:28 - 13:30conseguir conexões.
-
13:31 - 13:35Pode até ser uma caminhada
silenciosa pelos "fynbos" -
13:35 - 13:40para ver se alguma planta fala connosco.
-
13:40 - 13:41Isso acontece.
-
13:41 - 13:44Elas estão sempre a falar comigo.
-
13:45 - 13:46E sobretudo
-
13:47 - 13:51o amor é confiar que esses
passinhos exploratórios -
13:51 - 13:55têm o potencial de nos levar a algo maior,
-
13:56 - 13:59algumas vezes a respostas
realmente surpreendentes. -
14:00 - 14:03Uma curandeira nativa disse-me um dia
-
14:03 - 14:06que amor é passear na Mãe Terra
-
14:06 - 14:09como o seu filho mais amado,
-
14:10 - 14:15confiar que ela valoriza
uma intenção honesta -
14:15 - 14:17e sabe como guiar os nossos passos.
-
14:18 - 14:20Espero ter-vos inspirado
-
14:20 - 14:23a voltarem a relacionar-se
com a comida dos vossos antepassados. -
14:23 - 14:25Obrigada por me escutarem.
-
14:25 - 14:27(Aplausos)
- Title:
- Quais os alimentos de que os vossos antepassados gostavam?
- Speaker:
- Aparna Pallavi
- Description:
-
Por todo o mundo, a cultura da comida indígena desaparece perante a agricultura industrializada e o inconstante conceito da dieta ideal, influenciado pelo Ocidente. A investigadora alimentar Aparna Pallavi explora porque é que as tradições culinárias, outrora essenciais, desapareceram da vida e da memória das pessoas quase sem que elas se apercebessem — e oferece uma solução subtil para revitalizar a nossa ligação com as comidas que consumimos.
- Video Language:
- English
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 14:40
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